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quinta-feira, 4 de abril de 2013

a poesia de 30: Drummond

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)


Nascido numa pequena cidade de Minas Gerais, Itabira do Mato Dentro, Carlos Drummond de Andrade tem uma importante contribuição para a renovação e para a consolidação das propostas iniciais do Modernismo. Em 1920, conhece Oswald de Andrade, Blaise Cendrars, Tarsila do Amaral e Mário de Andrade, que visitavam Belo Horizonte. A partir desse contato, começa a se corresponder com Mário de Andrade, mantendo vivo esse hábito durante toda a vida do escritor paulista.
      Testemunha lúcida de si mesmo e do transcurso dos homens, de um ponto de vista melancólico e cético, enquanto ironiza os costumes e a sociedade, no que se mostra satírico em seu amargor e desencanto, entrega-se à comunicação estética.
Sua principal característica é saber aliar extrema sensibilidade a uma inteligência e um humor únicos, por meio de composições que privilegiam a linguagem coloquial. Outra característica marcante em Drummond é o modo como a temática das desigualdades sociais e o retrato das aspirações e angústias cotidianas fazem parceira com um lirismo profundo.


Veja o poema Sentimento do Mundo.

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.


O poeta se revela limitado e impotente diante do mundo ("tenho apenas duas mãos/ e o sentimento do mundo"), embora "cheio de escravos".
O poema pode ser entendido, também, como um poema metalinguístico, isto é, um poema sobre o próprio fazer literário ("minhas lembranças escorrem"), onde os poemas ("escravos") surgem como armas ("havia uma guerra/ e era necessário/ trazer fogo e alimento") resultantes do "sentimento do mundo" do qual o poeta se conscientiza a partir dessa obra.
Sua visão acerca do mundo é extremamente pessimista, como podemos constatar no último  verso, com um "amanhecer mais noite que a noite". 

Graciliano Ramos, olhares sobre o sertão nordestino


Graciliano Ramos (1892-1953)



Considerado, por boa parte dos críticos, como um dos melhores romancistas do nosso Modernismo, apresentando soluções estéticas diferentes para o gênero da prosa. Sua principal característica é expor ao limite as tensões que o ambiente e/ou a sociedade impõem ao homem, ora brutalizando-o, ora explorando-o, mas deixando evidente que o conflito gerado por essas tensões é intenso a ponto de transformar o homem, moldar personalidades. Por isso a morte é uma constante em suas obras como final trágico e irreversível.
      Segundo Antonio Candido no romance Vidas secas (1938), encontramos um exemplo de condições de existência que moldam os modos de ser de cada indivíduo, dificultando a compreensão da realidade. Nota-se, nesse romance, a necessidade do autor de depor e denunciar a realidade.
O regionalismo é atípico, pois apesar de nos apresentar um cenário regional, parece mostrar mais do que a luta pela sobrevivência. Por isso o autor vale-se de personagens oprimidos e moldados pelo meio, isto é, o “herói problemático”, que se mostra em conflito com o meio e consigo mesmo, em luta constante para adaptar-se e sobreviver, insatisfeitos e irrealizados.

Esse aspecto é notado logo no início de Vidas secas, quando o autor refere-se aos personagens como viventes, e ao longo da narrativa, quando os viventes passam a ser denominados apenas por uma palavra que se repete em toda a sua obra: bicho.

Vidas Secas – Graciliano Ramos

"Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos - e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera.
Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado.
- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar . E, pensando bem, ele não era um homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
- Você é um bicho, Fabiano.
Isso para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades.

Vale a pena repetir aqui a observação feita por Abdala, em Tempos da Literatura Brasileira, com que faz notar a “relação dialética entre o estilo direto[1], como: “ – Fabiano, você é um homem”, o indireto, como: “Conteve-se, notou que os meninos estavam perto”, e o indireto livre, como: “Com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só”. No indireto livre, o narrador de Vidas Secas interiorizou-se na personagem Fabiano”[2] deixando evidente como o autor faz fundir as duas vozes.
Assim, a cena cruel da família de retirantes, vagando exaustos pelo sol, silenciosos e tristes, é acompanhada não pela solidariedade do autor, mas também por nós, leitores.
Valendo-se de uma linguagem sintética e concisa, dotada de lentidão, a narrativa esboça a dificuldade de se seguir por esse espaço inóspito, em que a seca ao redor do homem representa a secura de sua própria vida, humilhada e sem perspectivas.
O romance que surge na década de 30 não crê na possibilidade de uma transformação positiva do país através da modernização. Em São Bernardo, de Graciliano Ramos, encontramos uma expressão detalhada dessa descrença. Paulo Honório, de São Bernardo, que foi guia de cego e trabalhador de enxada, e que consegue, com violência e determinação, conquistar não a fazenda de São Bernardo como respeito, dinheiro e prestígio, virando um coronel, dá mostras, no final do romance, dessa visão pessimista do autor em relação à realidade:

Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei...”.

“A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”
Graciliano Ramos tinha obsessão pelo texto enxuto e limpo. Veja o dizia o escritor sobre isso no site oficial do escritor <http://www.graciliano.com.br>.



[1] Grifos nossos.
[2] ABDALA Jr., Benjamin e Campedelli, Samira Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. Série fundamentos. Ed. Ática, 2004, pg. 268.

Modernismo: a geração de 30

A segunda fase do Modernismo

     
O Modernismo desdobrou-se em novas manifestações na década de 1930, prolongando-se até meados da década seguinte.
Presenciou-se momentos de importantes transformações na sociedade, marcados pela modernização social do período entre guerras, fruto do crescimento industrial. Enquanto as mudanças nos setores comercial e financeiro faziam com que o país deixasse de ter um perfil econômico agrícola.
A Revolução de 1930 marca o fim da primeira República, com um golpe que coloca Getúlio Vargas na presidência e tira de cena a supremacia política de São Paulo e Minas Gerais. Em 1932, um movimento armado tenta destituir Getúlio do poder, mas é derrotado. Três anos depois, a tentativa de um golpe de estado, conhecido como a “Intentona Comunista”, é reprimido pelo governo de Getúlio, que passa a perseguir os comunistas. Essa perseguição resulta na instituição do regime do Estado Novo (1937 – 1945), que instaura no Brasil o totalitarismo, já presente na Europa de Hitler e Mussolini.
A partir desse quadro coloca-se a necessidade de repensar a realidade brasileira, repleta de conflitos. Esses novos fatos moveram os rumos do processo artístico em direção a uma prosa menos preocupada com os experimentalismos estéticos da primeira geração e mais preocupada com os problemas da realidade brasileira.
Assim, o grande tema da segunda geração modernista é a análise do ser humano e de suas angústias, reflexo da vida em uma sociedade em crise, que resulta num processo de amadurecimento e embrutecimento. O que se observava no Brasil e no mundo no início da década de 30 exigia que os artistas e intelectuais tomassem um posição mais engajada, de clara militância política.


O romance de 30


A prosa vai assumir contornos neorrealistas, retratando a realidade e conscientizando leitores. Aparece a vertente regionalista da prosa, que busca retratar as regiões marginalizadas do Brasil, fazendo surgir a figura do fracassado, uma das maiores conquistas do romance da geração de 30 para a ficção brasileira: a incorporação das figuras marginais.
Esses escritores voltam-se para os problemas de sua realidade imediata, e a literatura regional é caracterizada pela denúncia social. Assim, a seca torna-se um dos temas mais importantes da literatura desse momento. Foi José Américo de Almeida em A bagaceira (1928), que primeiro abordou o tema que mais tarde passou a ser explorado por muitos outros autores, como Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos.
Em contrapartida temos também o aparecimento de romances intimistas, uma narrativa mais subjetiva em que se aborda o interior dos indivíduos, que se mostram angustiados em relação a essa realidade esgarçada. Essa prosa tenta se aproximar mais das relações conflituosas entre o homem e o mundo e como elas são processadas por esse mesmo homem em seu interior, a esse romance damos o nome de romances psicológicos.
Esse momento do modernismo é nomeado pela crítica literária como a era do romance, e desenvolve uma prosa marcada por uma rudeza linguística e pela captação direta dos fatos, aliada a retomada do naturalismo, que dá ao romance característica de documento.
Em sua obra História Concisa da Literatura Brasileira, Alfredo Bosi apresenta os estudos acerca das tendências romanescas feitos por Lucien Goldmann, George Lukács e por René Girard. Vale a pena conferir o que o autor nos revela sobre os estudos dos teóricos do gênero do romance.
Esses estudos mostram o romance como uma tensão entre escritor e sociedade, portanto inevitavelmente uma oposição entre o ego, na figura do herói, e a sociedade.
A partir desses estudos, o herói pode ser encarado da seguinte maneira:

1.    O herói que empreende uma busca por seus valores pessoais e o meio lhe é hostil;
2.    O herói que se fecha na memória ou nos próprios estados da alma;
3.    O herói que simplesmente limita-se a aprender a viver no difícil mundo em que foi lançado.

O que se observa é a ruptura entre o herói e o grupo, oposição que se remonta à dicotomia homem natural/homem social, evidenciando, assim, a tensão como a única forma de relacionamento do autor/homem com o mundo.
Segundo Goldman, é justamente nessa tensão que se fundamenta o romance moderno, isto é, na tensão entre o herói e o seu mundo. Dessa forma o autor divide as tensões, e os romances, da seguinte forma:

1.    Romances de tensão mínima, cujos conflitos são simples e sentimentais, recheando a narrativa com apelo histórico e espacial. Vale-se de uma verossimilhança neorrealista.

2.    Romances de tensão crítica, cujo herói opõe-se às pressões da natureza e do meio social. Essas narrativas revelam as lesões produzidas pela sociedade. Aqui é comum que se ultrapasse o tipo, valorizando-se o indivíduo protagonista, por meio do qual cria-se a atmosfera, isto é, abandona-se o tempo objetivo pela duração psíquica.

3.      Romances de tensão interiorizada, nos quais o herói não se sente capaz de enfrentar a antinomia eu/mundo e evade-se, isto é, subjetiva o conflito por meio de uma transformação psíquica da realidade. Dessa forma, o herói ultrapassa seu conflito existencial. São os chamados romances do ego, ou romances psicológicos, que revelam a cisão homem/mundo e o retorno ao próprio sujeito, na tentativa de construir uma outra realidade, o que é preferível a enfrentá-la.

São essas as estruturas narrativas cultivadas pela geração de 30 e é por meio das obras de autores como Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Dyonélio Machado, que vemos despontar um Brasil multifacetado, que apresenta uma diversidade regional e cultural, ao mesmo tempo que apresenta problemas comuns em quase todas as regiões, tais como a miséria, a ignorância, a opressão nas relações de trabalho, as forças atávicas da natureza sobre o homem desprotegido. Problemas que esgarçam o interior desse homem do século XX e resvalam para as tensões retratadas nos romances.