Em 1956,
Guimarães Rosa viria a surpreender crítica e público ao lançar em um espaço de
aproximadamente seis meses dois livros: Corpo de baile, um conjunto de novelas
publicado inicialmente em dois volumes que hoje é desmembrado em três – a
novela mais conhecida do grande público é “Campo Geral”, narrativa da infância
do garoto Miguilim – e o surpreendente romance Grande sertão :
veredas. Completam a obra de Rosa Primeiras
estórias, Tutaméia e Ave Palavra.
A obra de
Rosa bebe nas fontes da cultura popular. Homem de inteligência elevada, suas
narrativas enlaçam o popular a erudição.
Assim
como Clarice Lispector, desenvolve complexo trabalho de elaboração com a
linguagem. O crítico literário Alfredo Bosi, afirma
que em Guimarães Rosa “A
palavra é um feixe de significações”, por si só portadora de sons e de formas e
o autor busca abolir as fronteiras entre a narrativa e a lírica, construindo,
em seus textos, um pensamento analógico
e mítico.
Seus personagens encerram certo panteísmo, e a
natureza implica no movimento entre os opostos complementares, encerrando em si
mesma o Bem e o Mal, que se fundem em uma só realidade, e muitas
vezes em um só corpo. Tudo, até mesmo aquilo que se opõe, aparentemente
partilha de algo maior e infinitamente mutável: o devir.
O outro é sempre o desconhecido, o avesso, “os crespos do homem”,
com quem o sujeito estabelece relações dialéticas que se manifestam por meio
dos modos pré-lógicos tais como mito, psique, infância, sonho ou loucura.
O que aparece em Rosa poderia ser chamado de regionalismo
introspectivo ou espiritualismo com roupagem sertaneja, mas o mais importante
está no fato de que o autor cria uma dicotomia cosmopolita X regionalismo,
ao se valer de uma linguagem arcaizante, preservada no interior de Minas.
O fato é que Guimarães Rosa tem a região como personagem e o homem
como paisagem, por isso a temática batida desde o regionalismo de 1930 não se
torna enfadonha. Na ficção comum o homem é engolido pela paisagem, mas em Rosa
a essência do homem passa a ser sua multiplicidade e ambigüidade, e o espaço se
comporta da mesma forma, pois em Rosa a paisagem é instável, mutante,
refletindo a dinamicidade do mundo, e a linguagem precisa acompanhar isto.
Vejamos algumas das características da obra rosiana, no gênero
conto, em uma de suas melhores obras: Primeiras Estórias.
Em Primeiras Estórias, o autor põe em cena seres
rústicos, que são tocados pela iluminação, o que faz com que seus conflitos percam
a importância, característica que já se via em Sagarana. Não raro os
personagens, seres comuns por fora, mas que se revelam uma caixa de pandora,
vêem-se envolvidos pela busca da transcendência, como no conto A terceira
margem do rio, em que o autor resgata a imagem de permanência no fluir
eterno do rio.
Percebe-se também o reconhecimento do amor como o inefável, que
muitas vezes é ofuscado pelo diário da vida.
Em muitas situações a palavra é tomada como o significante motor,
como no conto Famigerado, que possui estrutura de adivinha invertida,
pois quem questiona não sabe a resposta e aquele que deve “adivinhar”
certamente sabe, embora tema falar, o que implica em uma inversão de lugares.
Também é essa mesma temática que encontramos em A menina de lá, mas aqui
a palavra possui poder numinoso, de presentificação e atualização.
Veja o vídeo acerca do conto A Terceira Margem do Rio, da Profª Yudith Rosembaum