Antero de Quental
Antero Tarquíinio de Quental nasceu na ilha Ponta Delgada, Açores, em 1842. Cursou Direito na Universidade de Coimbra. Viajou por Paris, Estados Unidos e Canadá e fixou-se em Lisboa. Participou ativamente da Questão Coimbrã e das Conferências do Cassino Lisbonense, nas quais adquiriu vários amigos, como, por exemplo, Eça de Queirós. Deprimido, suicidou-se em sua terra natal em 1891. Obras: Raios de extinta luz, Odes modernas, Primaveras românticas, sonetos, prosas e cartas.
A produção poética de Antero de Quental reflete suas angústias existenciais e seus conflitos (que o levam ao suicídio), além de mostrar temática revolucionária.
Foi um grande sonetista, apresentando momentos iluminados, otimistas e outros de extremo pessimismo, tomando como inspiração o filósofo Schopenhauer.
Tese e antítese
Não sei o que vale a nova idéia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacante após lúbrica ceia!
Sanguinolento o olhar se lhe incendeia...
Aspira fumo e fogo embriagada...
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fúrias de Medeia!
Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obus...
Mas a idéia é num mundo inalterável,
Num cristalino céu, que vive estável...
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!
Vocabulário:
desgrenhada: descabelada
barricada: barreira feita para se proteger em uma batalha
bacante: discípula de Baco, deus do vinho e dos prazeres carnais
lúbrica: sensual, cheia de luxúria
Medeia (mitologia grega): mata os próprios filhos para atingir seu ex-marido, Jasão
pelouro: arma
obus: arma, peça de artilharia
Neste soneto bastante filosófico, podemos observar o lado luminoso e otimista de Antero de Quental. O eu lírico defende o uso do pensamento lógico, que é luz, sabedoria.
Por outro lado, condena as ideias insanas, cheias de fúria, inclusive as comparando a Medeia, que louca matou seus filhos, ou mesmo a uma mulher embriagada.
Veja como o poema trata do cotidiano, referindo-se a “um século irritado e truculento”, que angustiava seus intelectuais.
O convertido
Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.
Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!
Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!
Amortalhei na Fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento…
Só me falta saber se Deus existe!
Vocabulário:
ímpia: impura
avito: que vem dos antepassados
contrito: em contrição, arrependido
erma: longínqua
amortalhar: colocar uma mortalha, uma roupa de morte, enterrar
Neste outro soneto, temos um exemplo do lado mais pessimista e melancólico do poeta. O eu lírico, após ter renegado a religião, parece que quer se converter, pois não confia mais na razão: “Amortalhei na Fé o pensamento”, mas também tem dúvidas sobre a existência de Deus.
Cesário Verde
José Joaquim Cesário Verde nasceu em Lisboa em 1855. Chegou a matricular-se no curso de Letras da Universidade de Lisboa, mas desistiu para trabalhar com seu pai em uma loja de ferragens. Publicou algumas poesias no Diário de notícias, no Diário da tarde, no Ocidente, entre outros. Morreu de tuberculose com apenas 31 anos em 1886. Sua obra foi publicada postumamente em 1887, sendo composta por um único livro: O livro de Cesário Verde. Além de Camões, é considerado como uma forte influência na obra de Fernando Pessoa.
Veja um trecho do belo poema Sentimento de um ocidental, no qual o poeta faz um retrato lírico e realista da cidade de Lisboa. Andando pelas ruas desde o anoitecer até a madrugada, o eu lírico descreve a realidade de uma cidade já marcada pela modernidade.
Cesário Verde é conhecido por sua poesia do cotidiano, na qual situações comuns e banais são poetizadas. Além disso, seu realismo é expressionista, cheio de emoção.
Ao Gás
E saio. A noite pesa, esmaga. Nos
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.
Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso
Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento imenso.
As burguesinhas do Catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.
Num cutileiro, de avental, ao torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.
E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem;
Casas de confecções e modas resplandecem;
Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.
Vocabulário:
impuras: pode-se inferir que são prostitutas
tépidas: quentes
resvalar: se arrastar, sujar-se
cutileiro: loja de ferramentas
forjador: espécie de ferreiro
malho: martelo, instrumento do ferreiro
exacerbar: ultrapassar limites
ratoneiro: imberbe: ladrão jovem,menino
Veja como o poeta descreve as ruas de forma grotesca, mas real, em um ambiente urbano e moderno. Ele critica a burguesia e o clero, envolvendo as “burguesinhas” e as freiras em um ambiente degradante e doentio. Observe como as imagens, sons e cheiros se misturam, despertando vários sentidos.
Guerra Junqueiro
Abílio Manuel de Guerra Junqueiro nasceu em 1850 em Freixo da Espada, em Trás-os-Montes. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, trabalhando posteriormente como funcionário público e deputado. Aderiu aos ideais republicanos em 1891 após o fatídico Ultimatum inglês, no qual a Inglaterra exigia a posse de diversas colônias portuguesas. O espiritualismo e o idealismo tornaram-se marcas de seu estilo. Obras: A Morte de D. João (1874), A musa em férias (1879), A velhice do padre eterno (1885), Finis Patriae (1890), Os simples (1892), Pátria (1896), Oração ao pão (1903), Oração à luz (1904), Poesias dispersas (1920).
A seguir, um fragmento de Os simples:
Regresso ao lar
Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?... Há trinta?... Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!...
Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida...
Só achei enganos, decepções, pesar...
Oh, a ingênua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!...
Trago de amargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!...
Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!...
Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!...), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...
Apesar de realista, neste poema Guerra Junqueiro apresenta aspectos de espiritualidade, lembrando o Romantismo e prenunciando características do Simbolismo. Há certo saudosismo da infância e de tempos vindouros.