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domingo, 22 de abril de 2012

Características do Barroco


A Ambiguidade: o alicerce do Barroco


A estética literária do Barroco opõe-se diretamente ao racionalismo clássico. O rigor formal, usado para produzir clareza, soma-se à ambiguidade de figuras que culminam em tensão e conflito.
A linearidade renascentista é substituída pelo pictórico das antíteses, contradições e paradoxos, e a sintaxe simples é substituída pelo rebuscamento que se apoia no anacoluto e na inversão sintática.
O exagero reflete o desconforto de um homem dividido entre o céu e as coisas terrenas, evidenciando o conflito entre os valores da tradição, ligados à consciência medieval e defendidos pelos jesuítas, e os valores gerados pelo avanço do racionalismo.

O quadro "A dúvida de São Tomé", do pintor italiano Caravaggio, ilustra bem esse panorama do mundo Barroco, mostrando a religiosidade na figura de Cristo, de quem vem toda a luz da cena composta pelo jogo do Ciaro/Escuro, característico da pintura barroca, em oposição ao racionalismo presente na dúvida de São Tomé, que chega a tocar a ferida de Jesus para se certificar.

A dúvida de São Tomé, de Caravaggio.

Segundo Benjamim Abdala Júnior e Samira Youssef Campedelli, é possível perceber vários estilos dentro do Barroco. Alguns dizem respeito à forma, outros, ao conteúdo.
Observe a tabela abaixo, em que esses estilos estão expostos:

Estilos
Características
Maneirismo
É o elo entre o Renascimento e o Barroco e registra a incerteza das formas.
Culteranismo, cultismo ou gongorismo
Cultivou construções obscuras, repletas de preciosismo formal que se vê tanto na poesia quanto na prosa barroca.

Conceptismo
Ligado à prosa barroca e contrário ao culteranismo. Buscou o domínio das palavras, valendo-se do conhecimento conceitual e da concisão.
Barroquismo
Originou o rococó. Possui construções rebuscadas e  decorativas.

Características da produção literária


As raízes do Barroco se encontram no Renascimento. Como no Classicismo, os artistas também buscavam a perfeição formal, mas de maneira exagerada. A literatura barroca é marcada pelo rebuscamento da linguagem e pela sobrecarga de figuras de estilo como a metáfora, a alegoria, a hipérbole e a antítese.

Referências à cultura grega ainda aparecem, mas a ideia do pecado e do perdão torna-se uma obsessão. O tema carpe diem (aproveite a vida, o momento), por exemplo, tão explorado pelos gregos, volta à tona. Contudo, aproveitar a vida implica em prazer, que por sua vez implica em pecar. Quantas dúvidas sofria o artista barroco! Como cultuar a vida e o prazer sem pecar? Como manter os ideais renascentistas de valorização do ser humano sem ofender a Deus?

Como já dissemos, toda essa tensão e esse conflito acabam sendo expressos por meio da arte barroca, na qual muitos tentavam conciliar as tendências opostas. Segundo o professor Massaud Moisés:

“[...] era o empenho no sentido de conciliar o claro e o escuro, a matéria e o espírito, a luz e a sombra, visando anular pela unificação a dualidade do ser humano, dividido entre os apelos do corpo e os da alma.” (MOISÉS, 2006, p.73).

 Poesia barroca

 As tópicas clássicas, já vistas no Renascimento e advindas da retomada das características Greco-romanas são frequentes na literatura barroca, a saber:

§  fugacidade da vida e das coisas, tudo é efêmero;
§  carpe diem;
§  a morte, expressão máxima da efemeridade;
§  erotismo;

Por outro lado, a ambigüidade barroca faz aflorar outras temáticas na lírica, tais como:

§  castigo, como decorrência do pecado;
§  arrependimento e busca do perdão;
§  narração de cenas trágicas;
§  sobrenaturalidade;
§  misticismo.

A poesia barroca corresponde muito mais ao culto da forma do que do conteúdo, ou mesmo do sentimento lírico. Com pouca representatividade, os poetas portugueses sofrem grande influência espanhola. Podemos citar Francisco Rodrigues Lobo (1579-1621), um dos mais importantes discípulos de Camões. Influenciado por Gôngora, é considerado o iniciador do Barroco em Portugal.

Veja a seguir um soneto barroco de Francisco Rodrigues Lobo:

Observe:
trocadilho: “te vejo e vi, me vês agora e viste”;
antítese: triste/contente; contente/descontente; mal/bem.
Veja também as incertezas do eu lírico quanto ao seu futuro.

Fermoso Tejo meu, quão diferente
Te vejo e vi, me vês agora e viste:
Turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
Claro te vi eu já, tu a mim contente.

A ti foi-te trocando a grossa enchente
A quem teu largo campo não resiste;
A mim trocou-me a vista em que consiste
O meu viver contente ou descontente!

Já que somos no mal participantes,
Sejamo-lo no bem. Oh, quem me dera
Que fôramos em tudo semelhantes!

Mas lá virá a fresca Primavera:
Tu tornarás a ser quem eras dantes,
Eu não sei se serei quem dantes era.[1]

Surgem nesta época, em Portugal, as Academias, nas quais os poetas se reuniam para discutirem sobre a estética barroca. Outros autores que podemos citar são: D. Francisco Manuel de Melo, Frei Luís de Sousa, Sóror Mariana Alcoforado e o dramaturgo Antônio José da Silva.

Vale ressaltar que a escrita ainda era um privilégio da nobreza e do clero, uma vez que a burguesia iniciava-se nessa área. Ao povo, como havia de se esperar, era negado o acesso à escrita e aos bens culturais das elites.

Gregório de Matos


Os sonetos da tradição gregoriana encenam uma lógica de fundamentação teológica, também aplicada pelo Pe. Vieira: um todo metafísico que está em toda parte, simultaneamente, e uma parte desse todo que, por ser divina, é perfeita e indivisível, contendo, dessa forma, um todo em qualquer parte. Vejamos os sonetos:

Ao Braço do Mesmo Menino Jesus Quando Apareceo

O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.

Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.

Ao menino Jesus de N. Senhora das Maravilhas, a quem infiéis despedaçaram achando-se a parte do peyto.

Entre as partes do todo a melhor parte
Foi a parte, em que Deus pôs o amor todo
Se na parte do peito o quis pôr todo,
O peito foi foi do todo a melhor parte.

Parta-se pois de Deus o corpo em parte,
Que a parte, em que Deus ficou o amor todo
Por mais partes, que façam deste todo,
De todo fica intacta essa só parte.

O peito já foi parte entre as do todo,
Que tudo mais rasgaram parte a parte;
Hoje partem-se as partes deste todo:

Sem que do peito todo rasguem parte,
Que lá quis dar por partes o amor todo,
E agora o quis dar todo nesta parte.

O Beletrismo Seiscentista e Setecentista, isto é, o Barroco, é mais que uma expressão estética de um tempo; é a representação de uma forma de ver o mundo e é a forma como este mundo se vê. A poesia encena, em antítese, a culpa, mas reafirma o desejo. Como vemos no poema abaixo, atribuído a Gregório de Matos:

Ao Mesmo Assumpto e na Mesma Occasião

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido,
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.



[1] LOBO, Francisco Rodrigues In MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 163.

Barroco


A Deposição[1].


O Barroco foi um movimento cultural e artístico, marcado por uma visão pessimista da vida, conseqüência da crise econômica e social, vivida pela Europa, e das desilusões acerca dos ideais humanistas e renascentistas.
O período a que chamamos Barroco se deve ao momento em que a sociedade se vê diante das consequências da Reforma Protestante, iniciada em 1517 por Martinho Lutero e que dividiu a Igreja entre católicos e protestantes.
Estas ideias puseram em risco o poder da Igreja, ao que ela responde com o movimento de reação chamado de Contra Reforma, e que tinha intenção de impedir o avanço do protestantismo. O estilo barroco floresce quando a Igreja Católica busca a consolidação de seu poder.

Dentre os atos mais importantes da Igreja católica dessa época temos:
1. A instituição do Tribunal do Santo Ofício, ou Tribunal da Inquisição
2. A criação da Companhia de Jesus.

 Práticas da Inquisição[2]

Contradições, no âmbito religioso, que tiveram forte influência sobre a arte do período, produzindo o desencanto do homem com o próprio homem, assumindo assim uma postura anticlássica, que instaura um mundo ambíguo e dicotômico, dividido entre o catolicismo e o protestantismo, entre a fé e a ciência, que dá espaço à estética barroca.

Contexto social e histórico


Em 1578, o rei de Portugal, D. Sebastião, com apenas quatorze anos, desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir na África, não deixando herdeiros diretos. Seu tio, Cardeal D. Henrique, assumiu o poder por dois anos, mas, em 1580, o rei da Espanha Filipe II, herdeiro mais próximo da coroa portuguesa, anexou Portugal a seu país. Foi um dos períodos mais negros para a história de Portugal e culturalmente, um período de grande estagnação. O grande império perdeu seu líder e caiu sob o domínio espanhol até 1756, momento denominado de Restauração.

O desaparecimento de D. Sebastião incitou o imaginário popular, dando origem a um posicionamento místico denominado Sebastianismo, no qual muitos acreditavam no retorno de D. Sebastião, como um salvador, um messias.

Após a Reforma Protestante, a Contrarreforma da Igreja Católica acirra a perseguição aos “infiéis”, procurando recuperar sua posição de destaque perdida com o Renascimento. A Inquisição torna-se uma das instituições mais fortalecidas que, além de comandar a censura, condenava à morte os traidores da fé católica. A Companhia de Jesus toma frente no processo de catequização e reforça os ideais religiosos, principalmente nas colônias, como o Brasil.

Nessa época, há uma constante tensão entre o Antropocentrismo e o Teocentrismo. O homem se vê dividido entre as novas concepções renascentistas e os valores medievais abandonados. Assim, o Barroco surge como expressão desse conflito entre o humanismo renascentista e a tentativa de restauração de uma religiosidade intensa, vivida na Idade Média; duelo entre a razão e a fé, entre o material e o espiritual.

O Barroco no Brasil


Somente no Barroco é que podemos começar a falar de uma Literatura Brasileira, pois encontramos uma produção literária com preocupação estética, que despe-se dos valores da corte e reflete a realidade brasileira.
O Barroco foi o estilo artístico dominante na Europa durante o século XVII e primeira metade do século XVIII. Caracteriza-se pela abundância de ornamentos e pela ousada elaboração formal, que se vale do uso de recursos retóricos, tais como as alegorias e o uso de figuras de liguagem, como a antítese e o paradoxo, cujo objetivo é mostrar desconforto.
No Barroco, a forma poética é encantadora e erudita, mas é apenas um disfarce para o conteúdo que valoriza a tensão e o conflito, na maioria das vezes, abordado com ironia ou malícia; reflexos de uma época angustiada, em que se evidencia a crise do renascimento.
No Brasil a estética barroca teve influência direta da coroa portuguesa que, mantida sob o jugo espanhol até 1640 não acompanhou as descobertas científicas ocorridas entre os séculos XVII e XVIII no resto da Europa, por conseguinte permaneceu no obscurantismo medieval.
No Brasil, o Barroco coincide com o momento de grande exploração da colônia pelos portugueses. Dessa forma, a aristocracia colonial brasileira, ou aristocracia crioula já revela um sentimento de independência que transparece nos textos literários da época. Por isso diz-se que o Barroco no Brasil foi "crioulizado", isto é, misturou a tendência europeia com a visão local, nativista e negra.
As invasões estrangeiras do Rio de Janeiro ao Maranhão, nos séculos XVI e XVII, foram responsáveis pelo despertar de uma consciência colonial, que somada à decadência da cana-de-açúcar, posiciona-se contrariamente ao absolutismo monárquico.
No Brasil, o Barroco inicia em 1601, com o poema épico de Bento Teixeira chamado Prosopopéia, e atinge seu apogeu com o poeta Gregório de Matos e com o orador Pe. Antônio Vieira.


[1] Óleo sobre tela de Michelangelo Merisi da Caravaggio, 1604. Pinacoteca Vaticana, Roma. http://mv.vatican.va/3_EN/pages/x-Schede/PINs/PINs_Sala12_01_049.html

segunda-feira, 26 de março de 2012

poetas do Realismo português

Antero de Quental

Antero Tarquíinio de Quental nasceu na ilha Ponta Delgada, Açores, em 1842. Cursou Direito na Universidade de Coimbra. Viajou por Paris, Estados Unidos e Canadá e fixou-se em Lisboa. Participou ativamente da Questão Coimbrã e das Conferências do Cassino Lisbonense, nas quais adquiriu vários amigos, como, por exemplo, Eça de Queirós. Deprimido, suicidou-se em sua terra natal em 1891. Obras: Raios de extinta luz, Odes modernas, Primaveras românticas, sonetos, prosas e cartas.

A produção poética de Antero de Quental reflete suas angústias existenciais e seus conflitos (que o levam ao suicídio), além de mostrar temática revolucionária.

Foi um grande sonetista, apresentando momentos iluminados, otimistas e outros de extremo pessimismo, tomando como inspiração o filósofo Schopenhauer.

Tese e antítese

Não sei o que vale a nova idéia,

Quando a vejo nas ruas desgrenhada,

Torva no aspecto, à luz da barricada,

Como bacante após lúbrica ceia!

Sanguinolento o olhar se lhe incendeia...

Aspira fumo e fogo embriagada...

A deusa de alma vasta e sossegada

Ei-la presa das fúrias de Medeia!

Um século irritado e truculento

Chama à epilepsia pensamento,

Verbo ao estampido de pelouro e obus...

Mas a idéia é num mundo inalterável,

Num cristalino céu, que vive estável...

Tu, pensamento, não és fogo, és luz!

Vocabulário:

desgrenhada: descabelada

barricada: barreira feita para se proteger em uma batalha

bacante: discípula de Baco, deus do vinho e dos prazeres carnais

lúbrica: sensual, cheia de luxúria

Medeia (mitologia grega): mata os próprios filhos para atingir seu ex-marido, Jasão

pelouro: arma

obus: arma, peça de artilharia

Neste soneto bastante filosófico, podemos observar o lado luminoso e otimista de Antero de Quental. O eu lírico defende o uso do pensamento lógico, que é luz, sabedoria.

Por outro lado, condena as ideias insanas, cheias de fúria, inclusive as comparando a Medeia, que louca matou seus filhos, ou mesmo a uma mulher embriagada.

Veja como o poema trata do cotidiano, referindo-se a “um século irritado e truculento”, que angustiava seus intelectuais.

O convertido

Entre os filhos dum século maldito

Tomei também lugar na ímpia mesa,

Onde, sob o folgar, geme a tristeza

Duma ânsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito

Um rir feito de fel e de impureza…

Mas um dia abalou-se-me a firmeza,

Deu-me um rebate o coração contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,

Rompendo os diques ao represo pranto,

Virou-se para Deus minha alma triste!

Amortalhei na Fé o pensamento,

E achei a paz na inércia e esquecimento…

Só me falta saber se Deus existe!

Vocabulário:

ímpia: impura

avito: que vem dos antepassados

contrito: em contrição, arrependido

erma: longínqua

amortalhar: colocar uma mortalha, uma roupa de morte, enterrar

Neste outro soneto, temos um exemplo do lado mais pessimista e melancólico do poeta. O eu lírico, após ter renegado a religião, parece que quer se converter, pois não confia mais na razão: “Amortalhei na Fé o pensamento”, mas também tem dúvidas sobre a existência de Deus.

Cesário Verde

José Joaquim Cesário Verde nasceu em Lisboa em 1855. Chegou a matricular-se no curso de Letras da Universidade de Lisboa, mas desistiu para trabalhar com seu pai em uma loja de ferragens. Publicou algumas poesias no Diário de notícias, no Diário da tarde, no Ocidente, entre outros. Morreu de tuberculose com apenas 31 anos em 1886. Sua obra foi publicada postumamente em 1887, sendo composta por um único livro: O livro de Cesário Verde. Além de Camões, é considerado como uma forte influência na obra de Fernando Pessoa.

Veja um trecho do belo poema Sentimento de um ocidental, no qual o poeta faz um retrato lírico e realista da cidade de Lisboa. Andando pelas ruas desde o anoitecer até a madrugada, o eu lírico descreve a realidade de uma cidade já marcada pela modernidade.

Cesário Verde é conhecido por sua poesia do cotidiano, na qual situações comuns e banais são poetizadas. Além disso, seu realismo é expressionista, cheio de emoção.

Ao Gás

E saio. A noite pesa, esmaga. Nos

Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.

Ó moles hospitais! Sai das embocaduras

Um sopro que arrepia os ombros quase nus.

Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso

Ver círios laterais, ver filas de capelas,

Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,

Em uma catedral de um comprimento imenso.

As burguesinhas do Catolicismo

Resvalam pelo chão minado pelos canos;

E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,

As freiras que os jejuns matavam de histerismo.

Num cutileiro, de avental, ao torno,

Um forjador maneja um malho, rubramente;

E de uma padaria exala-se, inda quente,

Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.

E eu que medito um livro que exacerbe,

Quisera que o real e a análise mo dessem;

Casas de confecções e modas resplandecem;

Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.

Vocabulário:

impuras: pode-se inferir que são prostitutas

tépidas: quentes

resvalar: se arrastar, sujar-se

cutileiro: loja de ferramentas

forjador: espécie de ferreiro

malho: martelo, instrumento do ferreiro

exacerbar: ultrapassar limites

ratoneiro: imberbe: ladrão jovem,menino

Veja como o poeta descreve as ruas de forma grotesca, mas real, em um ambiente urbano e moderno. Ele critica a burguesia e o clero, envolvendo as “burguesinhas” e as freiras em um ambiente degradante e doentio. Observe como as imagens, sons e cheiros se misturam, despertando vários sentidos.


Guerra Junqueiro

Abílio Manuel de Guerra Junqueiro nasceu em 1850 em Freixo da Espada, em Trás-os-Montes. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, trabalhando posteriormente como funcionário público e deputado. Aderiu aos ideais republicanos em 1891 após o fatídico Ultimatum inglês, no qual a Inglaterra exigia a posse de diversas colônias portuguesas. O espiritualismo e o idealismo tornaram-se marcas de seu estilo. Obras: A Morte de D. João (1874), A musa em férias (1879), A velhice do padre eterno (1885), Finis Patriae (1890), Os simples (1892), Pátria (1896), Oração ao pão (1903), Oração à luz (1904), Poesias dispersas (1920).

A seguir, um fragmento de Os simples:

Regresso ao lar

Ai, há quantos anos que eu parti chorando

deste meu saudoso, carinhoso lar!...

Foi há vinte?... Há trinta?... Nem eu sei já quando!...

Minha velha ama, que me estás fitando,

canta-me cantigas para me eu lembrar!...

Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida...

Só achei enganos, decepções, pesar...

Oh, a ingênua alma tão desiludida!...

Minha velha ama, com a voz dorida.

canta-me cantigas de me adormentar!...

Trago de amargura o coração desfeito...

Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!

Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...

Minha velha ama, que me deste o peito,

canta-me cantigas para me embalar!...

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho

pedrarias de astros, gemas de luar...

Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...

Minha velha ama, sou um pobrezinho...

Canta-me cantigas de fazer chorar!...

Como antigamente, no regaço amado

(Venho morto, morto!...), deixa-me deitar!

Ai o teu menino como está mudado!

Minha velha ama, como está mudado!

Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...

Apesar de realista, neste poema Guerra Junqueiro apresenta aspectos de espiritualidade, lembrando o Romantismo e prenunciando características do Simbolismo. Há certo saudosismo da infância e de tempos vindouros.

Realismo: características gerais

Contexto social e histórico do Realismo (1865-1890)
A segunda metade do século XIX é marcada pelo cientificismo (valorização das ciências) e por uma demanda material e ideológica gerada pela Revolução Industrial. Aparecem teorias positivistas que valorizam o progresso e o conhecimento. Com os novos modos de produção, surge uma grande massa de operários explorados e marginalizados, o proletariado.
Assim, um novo cenário social se constrói: a pobreza tornou-se um problema associado à industrialização. Como o número de vagas de trabalho era insuficiente, havia uma grande quantidade de camponeses perdidos nas grandes cidades, vivendo da mendicância.
Os artistas dessa época passaram a adotar uma visão mais objetiva da realidade, por meio do uso da razão.
Em Portugal, a crise se dá no setor agrário. Camponeses, soldados e a pequena burguesia se revoltam. O país é totalmente dependente da Inglaterra e a monarquia encontra-se enfraquecida. Em 1851, por meio de um golpe político, o marechal Saldanha institui a monarquia parlamentarista (nos moldes ingleses) e se inicia o período de Regeneração (1851-1910).
A produção literária
O Realismo tem origem francesa, e inicialmente surge nas artes plásticas, quando Flaubert publica Madame Bovary, um retrato crítico da hipocrisia da sociedade burguesa e romântica. Dez anos depois, Émile Zola publica Thérèse Raquin e dá origem ao extremismo realista, o Naturalismo.
Como vimos, várias teorias deram fundamento ideológico ao Realismo, como o determinismo de Hippolite Taine, o positivismo de Augusto Comte, o socialismo utópico de Proudhon, o evolucionismo de Charles Darwin, entre outras, que serão exploradas quando tratarmos da prosa realista, na qual foram amplamente utilizadas.
Em 1861, o grande poeta Antero de Quental fundou a Sociedade do Raio composta por duzentos estudantes da Universidade de Coimbra propensos a romperem com o convencionalismo acadêmico do Romantismo. Empolgado com as novas ideias revolucionárias, Antero de Quental editou Odes modernas. Essas novidades provocaram a reação do grupo de românticos, encabeçados pelo professor e poeta Antônio Feliciano de Castilho que zombou e criticou os novos poemas numa carta a Pinheiro Chagas, em que ironizava os jovens realistas dizendo que lhes faltava “bom senso e bom gosto”.
Com a resposta de Antero de Quental inicia-se a famosa Questão Coimbrã, considerada o marco literário do Realismo em Portugal. Essa questão consistiu em uma crise acadêmica, na qual diversos textos ofensivos foram trocados. De um lado, os românticos, veteranos e mestres na academia, liderados por Castilho. De outro, os rebeldes estudantes da Sociedade do Raio. Houve inclusive ataques físicos, como o duelo entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão.
O Realismo português foi bastante organizado, repleto de encontros e estudos sobre o novo estilo. Nunca a literatura portuguesa havia conseguido alcançar tal feito.
As Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense, em 1871, nas quais se discutiam filosofia e literatura, representam a consolidação dos ideais realistas em Portugal. Participaram dessas reuniões o famoso romancista Eça de Queirós e o poeta, folclorista e futuro presidente de Portugal, Teófilo Braga.


Características

O Realismo aparece como uma reação ao Romantismo e se desenvolve a partir da observação da realidade, com uso da razão e da ciência, evidenciando o desenvolvimento científico, que se volta para a valorização da intelectualidade, o que culmina no Cientificismo, como consequência surge o Materialismo em oposição à metafísica, tão valorizada no movimento anterior, o Romantismo.
No Realismo vê-se clara reação contra as excentricidades românticas, como o egocentrismo. Vê-se respeito pela objetividade dos fatos, pelos estudos políticos e sociais, como o Positivismo de Augusto Comte e o Determinismo geográfico e biológico (de Hypolyte Taine). Valoriza-se as ciências exatas e experimentais, como o Evolucionismo, de Charles Darwin, a Dialética, de Hegel, e pelo progresso tecnológico.
O eu perde lugar para a sociedade e existe uma preocupação por descrever, analisar e até criticar a realidade, pois, motivados pelas teorias científicas e filosóficas, os escritores realistas desejavam captar o homem e a sociedade em sua totalidade, isto é, em seu cotidiano massacrante, no amor adúltero, no egoísmo humano e nas diferenças de classes.
Stendhal e Balzac foram os precursores do realismo literário, retratando a sociedade francesa. Balzac olha os indivíduos como representantes de grupos sociais, e esses indivíduos só possuem significado dentro das narrativas se expressarem as vivências e as ideias de seus grupos. Stendhal desenvolve o método analítico de observação psicológica, seus personagens são construídos através de pormenores mínimos.
Gustave Courbet foi um famoso pintor realista francês que se preocupou em retratar cenas do cotidiano, buscando ser fiel à realidade que o cercava. A tela Os quebradores de pedras, abaixo, marca o compromisso de Courbet com a estética realista e com o Realismo, isto é, com o enfrentamento direto da realidade, descartando qualquer tipo de ilusionismo, pois Courbet era simpatizante das posições anarquistas de Proudhon e teve participação decisiva na Comuna de Paris.
Em um artigo de 1857, Le Réalisme, o jornalista francês Jules François Félix Husson Champfleury transferiu os conceitos da pintura de Courbet para a literatura, e no mesmo ano, publicou-se o romance Madame Bovary, de Flaubert, que retrata a burguesia a partir das emoções de uma mulher infeliz da classe média, Ema Bovary.
Ema Bovary sonha com uma vida diferente e excitante, mas decepciona-se com o marido e com a busca por mundo de beleza, colhido nos textos românticos.
Veja a definição que o escritor Eça de Queirós dá de Realismo[1]:
“Que é pois o Realismo? É uma base filosófica para todas as concepções do espírito - uma lei, uma carta, uma guia, um roteiro do pensamento humano na eterna religião do belo, bom e do justo [...]; é a negação da arte pela arte, é a proscrição do enfático e do piegas. É a abolição da retórica considerada como arte de promover a comoção [...]; é a análise com fito na verdade absoluta. Por outro lado, o Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento; o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem [...] para condenar o que houver de mau na sociedade.”




[1] QUEIRÓS, Eça In MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2006, p.231.