Arcadismo (1756-1825)
Pastoral do Outono.
O século das
luzes, como foi denominado, contrário aos exageros do Barroco, combateu a
mentalidade religiosa imposta pela Contrarreforma e retomou a cultura
renascentista, propondo uma arte mais equilibrada, baseada na razão e cuja
temática voltava-se para a vida simples, cultivada longe dos grandes centros
urbanos.
Contexto social e
histórico
O século XVIII foi marcado por mudanças
bastante significativas, tanto no âmbito político quanto no científico e
cultural. É dessa época o movimento intelectual denominado Iluminismo, que se iniciou na Inglaterra mas teve seu apogeu na
Revolução Francesa. O lema “Igualdade, Liberdade
e Fraternidade” ficaria marcado para sempre na história da humanidade.
Os filósofos dessa época, como Diderot, Voltaire e Rousseau, acreditavam que a razão era a única fonte de conhecimento
da natureza e da sociedade. A igreja e a religião eram vistas como instrumentos
de ignorância.
O iluminismo respondia às ideologias da
burguesia em ascensão que criticava o Absolutismo do Estado.
Portugal se encontrava muito aquém do
desenvolvimento político, econômico e cultural do restante da Europa. Havia no
país um despotismo, com o rei interpretando as leis conforme seus interesses. O
monarca da época era D. José I (pai do futuro D.João VI), mas o grande
articulador político foi o Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho),
primeiro ministro do rei, que organizou a intervenção do Estado na Educação,
proibindo o ensino dos jesuítas e os expulsando do país e das colônias. Ele
efetuou diversas reformas políticas e culturais, imbuído dos ideais
iluministas.
Em 1755, Lisboa sofreu um grande
terremoto, sendo metade da cidade reconstruída por Pombal, com uma visão mais
racionalista e neoclássica.
A produção
literária
Didaticamente, considera-se que o
Arcadismo em Portugal inicia-se em 1756, quando foi fundada a Arcádia Lusitana, uma sociedade
literária na qual vários poetas se reuniam para recitarem poemas e discutirem
sobre a estética árcade.
Segundo a definição do dicionário
Houaiss: arcádia:
designação comum às sociedades literárias dos séculos XVII-XVIII que cultivavam
o classicismo e cujos membros adotavam nomes de pastores na simbologia poética.
A etimologia da palavra apresenta: Arkadìa,ae 'província do Peloponeso',
adaptado do grego Arkadía 'região do Peloponeso, região de pastores
dados à música e à poesia'.
Por resgatar a imitação dos clássicos
gregos e romanos, esse movimento é também denominado de Neoclassicismo.
Juntamente com o Classicismo e o Barroco, o Arcadismo compõe o período que
denominamos de Clássico.
A literatura árcade representa uma
crítica da burguesia letrada e culta ao estilo de vida da nobreza e do clero.
Características
No período árcade, segue-se o conceito
aristotélico de arte, isto é, a arte como imitação da Natureza, o racionalismo,
expresso pela busca constante pelo
equilíbrio e pela perfeição, vemos também a presença de temas bucólicos, ligados à natureza e à tranquilidade rural.
Em Portugal, foram duas as principais
academias árcades: a Arcádia Lusitana (1756) e a Nova Arcádia (1790).
Essas características retomam os temas
clássicos, considerados clichês árcades, tais como:
§ fugere urbem: “fuga da cidade”, pois a felicidade só existe no
campo;
§ aurea mediocritas: “lugar da mediocridade”, cultua-se uma vida simples
e equilibrada;
§ locus amoenus: “lugar ameno”, no campo, um lugar que propicie os
encontros amorosos;
§ inutilia
truncat: “cortar o inútil”, acabando
com os excessos barrocos na linguagem.
Somado a essas características, o
convencionalismo amoroso aparece sob a forma de pastoralismo, pois o eu lírico
se coloca como pastor de ovelhas e suas amadas são pastoras. Para isso, usam
pseudônimos que remontam à antiguidade clássica: Marília, Elmano.
Podemos citar alguns poetas árcades
relevantes como Nicolau Tolentino de Almeida, poeta satírico e Filinto Elísio.
Contudo, aquele que mais se destacou foi o grande sonetista Manuel Maria
Barbosa du Bocage.
Manuel Maria Barbosa de Bocage (1765-1805)
Bocage nasceu em Setúbal, Portugal.
Teve uma vida cheia de aventuras e boemia, entre bares e recitais poéticos.
Pertenceu à Nova Arcádia, na qual era conhecido pelo pseudônimo de Elmano
Sadino. Contudo, era um rebelde e logo abandonou o grupo, cujo estilo atacou.
Escreveu poemas satíricos que chegaram a fazer com que o poeta fosse preso.
Faleceu pobre e doente. As suas obras tiveram várias edições ainda em vida: Rimas, tomo I (1791), Rimas, tomo II (1799) e Rimas, tomo III (1804). Em 1811, foram
publicadas as Obras Completas no Rio
de Janeiro. Ficaram famosos os seus Sonetos,
os seus Epigramas e os seus Apólogos.
Sua obra pode ser dividida da seguinte
maneira:
§ poesia erótico-satírica:
linguagem obscena e agressiva;
§ poesia lírica:
Podemos notar a
obra de Bocage distintamente em duas fases. Na primeira fase o poeta mostra obediência
aos clichês árcades, em contrapartida a segunda fase é marcada pela dissidência
com o Arcadismo e aproximação com o Romantismo, ao que os críticos chamam de
Bocage pré romântico. Entre os temas mais explorados por Bocage, podemos
destacar: o amor, a morte, o destino, a natureza e o conflito entre a razão e o
sentimento.
Há também um Bocage que se faz notório
em sua produção de versos fesceninos e eróticos, de verve mordaz e língua
ferina. Entretanto, alguns poemas de cunho erótico e pornográfico que levam o
nome de Bocage não são de sua autoria.
Veja a seguir um
exemplo de um poema satírico de Bocage, no qual o poeta faz um autorretrato bem
humorado.
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à
ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça
escura,
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,
Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais
pachorrento.
Vocabulário:
assistir: no sentido de morar
pachorrento: cheio de pachorra, sem pressa, calmo.
Podemos observar nesses versos como o
poeta confessa sua vida boêmia, cheia de prazeres, seu espírito inquieto e
certo repúdio à religião. Era considerado um homem bonito.
Neste outro
exemplo, temos um poema lírico da primeira fase:
Ó tranças, de que Amor prisão me
tece,
Ó mãos de neve, que regeis meu fado!
Ó Tesouro! ó mistério! ó par sagrado,
Onde o menino alígero adormece!
Ó ledos olhos, cuja luz parece
Tênue raio do sol! Ó gesto amado,
De rosas e açucenas semeado
Por quem morrera esta alma, se pudesse!
Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcíssimos favores
Talvez o próprio Júpiter suspira!
Ó perfeições! Ó dons encantadores!
De quem sois?... Sois de Vênus? –
É mentira; Sóis de Marília, sois de
meus amores.
Vocabulário:
alígero: que tem asas, é veloz
ledo: que revela ou sente felicidade, alegre
açucenas: flores
Neste soneto, podemos observar as
seguintes características árcades:
§ pastoralismo: a amada é uma pastora, cujo nome
percebe-se pelo vocativo “Marília”;
§ referências à mitologia greco-latina: “Vênus”, “Júpiter” e cupido, por meio do epíteto “menino alígero”;
§ busca do equilíbrio e da perfeição por meio do uso do
soneto e da descrição da bela mulher: “Ó
perfeições! Ó dons encantadores!”.
Vejamos agora, aluno, um exemplo do lirismo
da segunda fase, ou da fase pré-romântica:
Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah!, cego eu cria, ah!, mísero eu
sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não doirava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal que a vida em sua origem dana.
Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz
me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos.
Saiba morrer o que viver não soube.
Vocabulário:
lida: labuta, trabalho, no sentido de vida
falaz: que ilude
Este soneto, ainda de concepções
clássicas, revela a lírica pessimista que exemplifica a fase madura do poeta,
cuja temática antecipa o ideário romântico do mal do século,
marcado por religiosidade e temas tristes.
Aqui, como em outros sonetos dessa fase
de Bocage, o uso da razão e do universalismo dá lugar à emoção e a
subjetividade, como podemos ver nas expressões “meu ser”, “em mim”.