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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Gil Vicente (1465 - 1536)


Em 1502, encena sua primeira peça, o Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação, na câmara da rainha D. Maria, em comemoração ao nascimento do futuro rei D. João III.

Durante trinta e quatro anos, Gil Vicente fez com que mais de quarenta peças fossem representadas, nos dando um amplo panorama da sociedade portuguesa da época.

Valeu-se de elementos tipicamente populares desenvolvidos na Idade Média, como as narrativas das novelas de cavalaria, os milagres e mistérios que eram provavelmente encenados nas igrejas e as farsas com objetivos satíricos. A isso tudo acrescentou a comicidade, a religião, o mistério, o lirismo trovadoresco e a crítica social. Esta última característica pode ser considerada seu traço mais humanista.

Segundo o crítico literário Massaud Moisés, as peças vicentinas são apenas indicações para a atuação. Cabia então ao ator, improvisar sobre o texto base, ampliando as falas e incluindo mímicas.

Características do teatro vicentino:

teatro alegórico

Objetos e personagens que representam abstrações ou idéias como o Bem e o Mal.

personagens tipo

Representam uma determinada classe social, profissão, sexo, idade

teatro cômico e satírico

A maioria das peças são comédias de costumes, seguindo o lema latino de Plauto: “ridendo castigat mores” (pelo riso corrigem-se os costumes)

Outras características: ruptura da linearidade temporal e despreocupação com a verossimilhança; falas das personagens em versos; linguagem apresenta aspectos arcaizantes.

Comicidade

comicidade de caráter

as características psicológicas das personagens levavam ao riso. Pero Marques (Farsa de Inês Pereira) é tímido, simples e sem modos

comicidade de situação

as atitudes das personagens eram cômicas. Pero Marques ao pedir Inês em casamento comportou-se como um simplório, que mal sabe sentar-se em uma cadeira

comicidade da linguagem

o autor utilizava vários recursos linguísticos como ironia, trocadilhos, ditos populares, gírias e palavrões.

Humanismo (1434-1527)



Contexto social e histórico

Com as navegações, há um amplo desenvolvimento do comércio e das cidades. Assim, o feudalismo passa a dar lugar ao sistema mercantil. A noção de um destino sujeito a forças ocultas é substituída por uma visão mais prática, guiada pelo lucro. Não só o feudalismo entra em decadência, mas também o teocentrismo. Aos poucos, ele passa a conviver com o antropocentrismo, que valoriza o ser humano e seus feitos, colocando o homem como centro do universo.

Em 1383, com receio de perder sua soberania para Espanha, a massa popular se apodera do trono e elege seu líder como herdeiro, Mestre de Avis, D. João I, filho bastardo de D.Pedro I (em Portugal).

Inicia-se assim a poderosa Dinastia de Avis (1385-1580), uma sucessão de reis empenhados no desenvolvimento mercantil e cultural de Portugal. O caminho dos descobrimentos começa a ser trilhado.

Com o surgimento da prensa de Guttemberg, as notícias passam a ser mais difundidas. Intensificam-se os conhecimentos sobre a cultura greco-latina, na qual os feitos humanos são valorizados. Assim, a cultura religiosa convive com a cultura clássica, o feudalismo convive com o mercantilismo e o teocentrismo convive com o antropocentrismo, constituindo-se o Humanismo como um momento de transição, que precede o Renascimento. Tal transição pode ser observada claramente na literatura, que mantém aspectos medievais, mas já vislumbra outros de cunho moderno.

A produção literária

O início do Humanismo em Portugal ocorreu em 1434, quando o rei D. Duarte nomeou Fernão Lopes como guarda-mor da Torre do Tombo e o incumbiu de escrever crônicas sobre os reis portugueses.

Historiografia-crônicas de Fernão Lopes

As crônicas constituem excelentes registros dos costumes e da história de Portugal. Contudo, Fernão Lopes distingue-se dos demais historiadores devido à importância que dava às pessoas do povo, personagens coadjuvantes em relação aos reis. Suas crônicas apresentam um espírito humanista, sendo relevantes tanto para a História como para a Literatura.

Poesia palaciana

A poesia do período humanista passa a ser mais cultivada a partir de 1450, com a presença de D. Afonso V. Essa poesia, conhecida como poesia palaciana, tem, como principais características, a autonomia em relação à música, o que contribui para inovações em relação ao ritmo e a musicalidade, e o uso de temas ligados à vida social da corte. Apesar disso, a poesia dessa época é de pouca expressividade se comparada aos outros gêneros desenvolvidos, como o teatro de Gil Vicente.

Veja abaixo um exemplar da poesia palaciana atribuído a João Ruiz de Castelo Branco.

Cantiga sua partindo-se

Senhora partem tam tristes

meus olhos por vós, meu bem,

que nunca tam tristes vistes

outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,

tam doentes da partida,

tam cansados, tam chorosos

da morte mais desejosos

cem mil vezes que da vida.

Partem tam tristes os tristes

tam fora d'esperar bem,

que nunca tam tristes vistes

outros nenhuns por ninguém.

Veja que apesar da ausência do acompanhamento musical, a poesia mantém a musicalidade no interior dos versos, valendo-se de rimas (ABAB, CDCCD, ABAB) e da métrica. A repetição do advérbio “tão”, marca o texto com uma tristeza pungente, e as aliterações das consoantes nasais contribuem para alongar a tristeza do eu lírico.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A prosa na Idade Média


A prosa trovadoresca

Muitas vezes escritas em versos, as Novelas de Cavalaria são o destaque desse gênero, embora pouco frequente em Portugal. As mais importantes na literatura de língua portuguesa são: A Demanda do Santo Graal e Amadis de Gaula.

Entram em Portugal no século XIII, no reinado de D. Afonso III, originário das canções de gesta (guerra) francesas e inglesas e se alargaram pelo território português depois da estabilização da Europa cristã.

Dividem – se em três ciclos básicos:

  • Bretão ou arturiano – que conta as aventuras do rei Arthur e dos cavaleiros da távola redonda.
  • Carolíngio – que narra as história de Carlos Magno e os doze pares de França.
  • Clássico – que contém temas greco romanos.

A temática das novelas giram em torno do amor, da guerra, da fidelidade, dos homens nobres e cavalheiros medievais cheios de coragem e virtude.

Outros textos dentro da prosa que merecem destaque são:

  • Hagiografias: histórias de santos da Igreja (em latim)
  • Cronicões: relatos romanceados de fatos históricos
  • Livros de linhagem: árvores genealógicas das famílias nobres

trovadorismo II

Cantiga Satíricas

As cantigas satíricas possuem apelo popular por seu caráter cômico e transgressivo. Tinham o intuito de satirizar os aspectos da vida feudal, sem poupar nenhuma camada social, atingindo nobreza, clero e o povo. Essas cantigas cultuam valores que estão associados ao riso, como o carnavalesco, a sátira e o cômico, o grotesco e o obsceno. Apresentam pouco valor estético, mas são bons documentos históricos, pois registram costumes da época.

A produção dessas cantigas era muito comum, sabemos que de 154 trovadores portugueses, 93 dedicaram-se à sátira.

Nas cantigas de escárnio, há uma crítica indireta e nas de maldizer, direta, inclusive com a citação de nomes. Contudo, muitas vezes é difícil diferenciá-las.


Cantigas de escárnio

As cantigas de escárnio constroem, por meio do humor e da ironia, uma crítica indireta, valendo-se da ambigüidade e do sarcasmo. Encobrem o nome da pessoa satirizada. Veja o exemplo abaixo:

Ai dona fea! Foste-vos queixar

porque vos nunca louv´en meu trobar

mais ora quero fazer un cantar

em que vos loarei toda via;

e vedes como vos quero loar:

dona fea, velha e sandia!

Ai dona fea! Se Deus mi perdon!

e pois havedes tan gran coraçon

que vos eu loe en esta razon,

vos quero já loar toda via;

e vedes qual será a loaçon:

dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei

en meu trobar, pero muito trobei;

mais ora já un bon cantar farei

em que vos loarei toda via;

e direi-vos como vos loarei:

dona fea, velha e sandia!

Essa cantiga mostra o trovador fazendo troça com uma dama que lhe cobrou uma trova, ele justifica dizendo que não fez nenhuma trova a ela mas que fará agora chamando-a de feia, velha e louca.

Cantigas de maldizer

Mais ofensivas que as de escárnio, as cantigas de maldizer satirizam de maneira direta. Emprega-se expressões grosseiras e palavras de baixo calão, veiculando, não raro, conteúdo obsceno. Veja exemplo:

Quen a sa filha quiserdar
mester, con que sábia guarir
a Maria Doming’ á-d’ir,
que a saberá bem mostrar;
e direi-vos que lhi fará:
ante dun mês lh’ amostrará
como sábia mui ben ambrar.
Ca me lhi vej’ eu ensinar
ua sa filha e nodrir;
e quen sas manhas ben cousir
aquesto pode ben jurar:
que, des Paris atees acá,
molher de seus dias non á
que tan ben s’acorde d’ ambrar.
E quen d’aver ouver sabor
non ponha sa filh’a tecer
nen a cordas nen a coser,
mentr’esta meestr’aqui for,
que lhi mostrará tal mester,
por que seja rica molher,
ergo si lhi minguar lavor.
E será en mais sabedor,
por estas artes aprender;
de mais, quanto quiser saber
sabê-lo pode muui melhor;
e, pois tod’esto bem souber,
guarrá assi como poder;
de mais, guarrá per seu lavor.

Nesse texto o trovador, de maneira bastante grosseira, ataca essa mulher, Maria Dominga, dizendo que aquele que quiser dar um ofício lucrativo a sua filha deve deixar que ela a instrua, insinuando que a mesma seja uma prostituta.

Veja mais cantigas no site abaixo:

http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/trovador.htm




Trovadorismo I

·
As cantigas de amor chegam em Portugal a partir de Provença, mais precisamente da região sul da Françaconhecida como Langue d´Oc ou Languedócio, no século XII (Baixa Idade Média). A primeira a desenvolver uma literaturasentimental, cortês, elegante e refinada que transforma a mulher no santuárioda inspiração lírica. A intensa influência romana, o clima mais ameno e aprosperidade econômica deram azo a um espírito mais lírico.
· Ao norte, onde predominava o espírito guerreiro, cultivou-se mais o heroísmo das novelas de cavalaria.
· A mensagem poética do trovador provençal é a deque o amor é fonte da poesia e é leal, inatingível e sem recompensa – é o finamors, ou o amor cortês, que traçou uma temática comum para as cantigasde amor, o convencionalismo amoroso, cujas características principais são:
o Submissão: vassalagem humilde e paciente.
o Mesura: discrição e moderação nalinguagem para não comprometer a reputação da dama.
o Elogio impossível: impossibilidadede traduzir em palavras os atributos e a formosura da dama.
o Erotismo/drama passional: perturbação dossentidos e a impossibilidade de se declarar diante de mulher tão pertubadora.
· Totalmente ligado à vida palaciana e à estruturade classes do mundo medieval, estrutura essa que é reproduzida pela poesia.
· O culto à mulher foi, mais tarde, substituído peloculto à virgem Maria, que a partir de 1209 foi imposto como tema oficial,depois das sanguinárias cruzadas do Papa Inocêncio III, por isso a líricaamorosa das cantigas de amor chegam para nós evidenciando uma postura maior deidealização da mulher amada.
·
PORTUGAL
·
É do século XII o mais antigo documentoliterário escrito na língua galego português ou galaico português a cantiga ARibeirinha (1198 ou 1189?), escrita por Paio Soares de Taveirós para MariaPais da Ribeira, amante de D. Sancho I. – a literatura desse período é predominantementepoética, feita sob as formas de cantigas, canções ou cantares. Aliteratura em prosa é posterior e só aparece no fim do séc.XIV.

· As cantigas trovadorescas dividiam-se em duasespécies principais: cantigas lírico amorosas e as cantigas satíricase maldizer, que eram transmitidas oralmente, por isso muitas se perderam e o quechegou até nós são aquelas que foram compiladas em cancioneiros (as cantigas eram registradas àmão por ordem de um mecenas ou de reis).

Os cancioneiros maisconhecidos das compilações peninsulares escritas em língua galego portuguesasão:
o Cancioneiro da ajuda – séc. XIII, portanto oúnico que remonta à época trovadoresca.
o Cancioneiro da Vaticana – na biblioteca doVaticano.
o Cancioneiro da Biblioteca Nacional – que incluium tratado da poética trovadoresca.
· Ao mesmo tempo em que as cantigas de origemprovençal contribuem para o aparecimento de uma lírica amorosa em Portugal, hájá, por ali, a prática de uma poesia mais rudimentar, inspirada na vidacampesina e doméstica e com inspiração na natureza, que dará origem às cantigasde amigo.

· Assim, as cantigas lírico amorosas compreendemas cantigas de amor e as cantigas de amigo.
o Cantigasde Amor: um eu lírico masculino que, como um vassalo, portantosubserviente, confessa seu amor a uma mulher inacessível, geralmente pela suaclasse social, muito diferente daquele, ou insensível aos apelos amorosos. Otom é sempre de lamúria e de queixa, e se submete a formalidades e convenções,obedecendo às regras de convivência na corte e do amor convencional da poesiaprovençal. Possui linguagem mais complexa e não costuma fazer uso do recursofacilitador do refrão.

Hun tal home sei eu, ai ben talhada,
que por vós tem a sa morte chegada;
vede quem é e seed’em nenbrada;
eu, mia dona.

Hun tal home sei eu que preto sente
de si morte chegada certamente;
vede quem é e venha-vos em mente;

eu, mia dona.

Hun tal home sei eu, aquest’oide:
que por vós morr’ e vo-lo em partide,
vede quem é e non xe vos obride;
eu, mia dona.

Vocabulário:
hun tal home, sei eu: euconheço um tal homem
ben talhada: formosa
seed’em nembrada:lembrai-vos disso
preto: perto
venha-vos em mente: tende em mente
aquest’oide: ouvi isso
vo-lo em partide: afastai-odisso (em – da morte)
non xe vos obride: não vosolvideis (esqueçais)


o Cantigasde amigo: não existiram na lírica provençal e têm origem popular, querexplica o vocabulário escasso, os arcaísmos e as repetições tanto no refrãocomo no paralelismo. Tem apelo à natureza e não raro é ambientada no meio ruralou marítimo. Assim, um eu lírico feminino, de camada social inferior (pastoraou camponesa), portanto distante da idealização da figura feminina da cantigade amor, essa moça, concebida de modo mais realista, está a espera de seuamigo, amado ou amante, e não raro queixa-se à mãe, às amigas ou a te mesmo ànatureza o descaso de seu amigo, ou o fato dele não chegar ao que combinaram.

As cantigas de amigo recebem nomes específicos, dependendo da maneiracomo são ambientadas:


Cantiga de Barcarola

no mar

Cantiga de Serranilha ou pastorela

no campo.

Cantiga de Bailada

em ambientes de festa

Cantiga de Romaria

em ambiente religioso


Ai flores, ai, flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
ai, Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
ai, Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
ai, Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi á jurado?
ai, Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss’amigo?
E eu ben vos digo que é san’e vivo:
ai, Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss’amado?
E eu ben vos digo que é viv’e sano
ai, Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é san’e vivo,
E seerá vosc’ant’o prazo saído:
ai, Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é viv’esano.
E seerá vosc’ant’o prazo passado:
ai, Deus, e u é?

Vocabulário:
pino: pinheiro
u: onde
pôs: combinou
san’e vivo: São e vivo
e será vosc’ant’ o prazosaído/passado: e estará convosco quando for a hora certa.

Note que nas três primeiras estrofes o eu lírico feminino se dirige ànatureza, pedindo notícias de seu namorado. Nas últimas, a natureza lheresponde, tranquilizando-a.