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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

ARCADISMO

 Arcadismo (1756-1825)


Pastoral do Outono.

 

 O século das luzes, como foi denominado, contrário aos exageros do Barroco, combateu a mentalidade religiosa imposta pela Contrarreforma e retomou a cultura renascentista, propondo uma arte mais equilibrada, baseada na razão e cuja temática voltava-se para a vida simples, cultivada longe dos grandes centros urbanos.

 

 Contexto social e histórico

 O século XVIII foi marcado por mudanças bastante significativas, tanto no âmbito político quanto no científico e cultural. É dessa época o movimento intelectual denominado Iluminismo, que se iniciou na Inglaterra mas teve seu apogeu na Revolução Francesa. O lema “Igualdade, Liberdade e Fraternidade” ficaria marcado para sempre na história da humanidade.

 Os filósofos dessa época, como Diderot, Voltaire e Rousseau, acreditavam que a razão era a única fonte de conhecimento da natureza e da sociedade. A igreja e a religião eram vistas como instrumentos de ignorância.

 O iluminismo respondia às ideologias da burguesia em ascensão que criticava o Absolutismo do Estado.

 Portugal se encontrava muito aquém do desenvolvimento político, econômico e cultural do restante da Europa. Havia no país um despotismo, com o rei interpretando as leis conforme seus interesses. O monarca da época era D. José I (pai do futuro D.João VI), mas o grande articulador político foi o Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho), primeiro ministro do rei, que organizou a intervenção do Estado na Educação, proibindo o ensino dos jesuítas e os expulsando do país e das colônias. Ele efetuou diversas reformas políticas e culturais, imbuído dos ideais iluministas.

 Em 1755, Lisboa sofreu um grande terremoto, sendo metade da cidade reconstruída por Pombal, com uma visão mais racionalista e neoclássica.


A produção literária

 Didaticamente, considera-se que o Arcadismo em Portugal inicia-se em 1756, quando foi fundada a Arcádia Lusitana, uma sociedade literária na qual vários poetas se reuniam para recitarem poemas e discutirem sobre a estética árcade.

 Segundo a definição do dicionário Houaiss: arcádia: designação comum às sociedades literárias dos séculos XVII-XVIII que cultivavam o classicismo e cujos membros adotavam nomes de pastores na simbologia poética. A etimologia da palavra apresenta: Arkadìa,ae 'província do Peloponeso', adaptado do grego Arkadía 'região do Peloponeso, região de pastores dados à música e à poesia'.

 Por resgatar a imitação dos clássicos gregos e romanos, esse movimento é também denominado de Neoclassicismo. Juntamente com o Classicismo e o Barroco, o Arcadismo compõe o período que denominamos de Clássico.

 A literatura árcade representa uma crítica da burguesia letrada e culta ao estilo de vida da nobreza e do clero.

 

Características

 No período árcade, segue-se o conceito aristotélico de arte, isto é, a arte como imitação da Natureza, o racionalismo, expresso pela busca constante pelo equilíbrio e pela perfeição, vemos também a presença de             temas bucólicos, ligados à natureza e à tranquilidade rural.

Em Portugal, foram duas as principais academias árcades: a Arcádia Lusitana (1756) e a Nova Arcádia (1790).

Essas características retomam os temas clássicos, considerados clichês árcades, tais como:

§  fugere urbem: “fuga da cidade”, pois a felicidade só existe no campo;

§  aurea mediocritas: “lugar da mediocridade”, cultua-se uma vida simples e equilibrada;

§  locus amoenus: “lugar ameno”, no campo, um lugar que propicie os encontros amorosos;

§  inutilia truncat: “cortar o inútil”, acabando com os excessos barrocos na linguagem.

 Somado a essas características, o convencionalismo amoroso aparece sob a forma de pastoralismo, pois o eu lírico se coloca como pastor de ovelhas e suas amadas são pastoras. Para isso, usam pseudônimos que remontam à antiguidade clássica: Marília, Elmano.

 Podemos citar alguns poetas árcades relevantes como Nicolau Tolentino de Almeida, poeta satírico e Filinto Elísio. Contudo, aquele que mais se destacou foi o grande sonetista Manuel Maria Barbosa du Bocage.

 

Manuel Maria Barbosa de Bocage (1765-1805)

Bocage nasceu em Setúbal, Portugal. Teve uma vida cheia de aventuras e boemia, entre bares e recitais poéticos. Pertenceu à Nova Arcádia, na qual era conhecido pelo pseudônimo de Elmano Sadino. Contudo, era um rebelde e logo abandonou o grupo, cujo estilo atacou. Escreveu poemas satíricos que chegaram a fazer com que o poeta fosse preso. Faleceu pobre e doente. As suas obras tiveram várias edições ainda em vida: Rimas, tomo I (1791), Rimas, tomo II (1799) e Rimas, tomo III (1804). Em 1811, foram publicadas as Obras Completas no Rio de Janeiro. Ficaram famosos os seus Sonetos, os seus Epigramas e os seus Apólogos.

 Sua obra pode ser dividida da seguinte maneira:

 §  poesia erótico-satírica: linguagem obscena e agressiva;

§  poesia lírica:

 Podemos notar a obra de Bocage distintamente em duas fases. Na primeira fase o poeta mostra obediência aos clichês árcades, em contrapartida a segunda fase é marcada pela dissidência com o Arcadismo e aproximação com o Romantismo, ao que os críticos chamam de Bocage pré romântico. Entre os temas mais explorados por Bocage, podemos destacar: o amor, a morte, o destino, a natureza e o conflito entre a razão e o sentimento.

 Há também um Bocage que se faz notório em sua produção de versos fesceninos e eróticos, de verve mordaz e língua ferina. Entretanto, alguns poemas de cunho erótico e pornográfico que levam o nome de Bocage não são de sua autoria.

 Veja a seguir um exemplo de um poema satírico de Bocage, no qual o poeta faz um autorretrato bem humorado.

  

Magro, de olhos azuis, carão moreno,

Bem servido de pés, meão na altura,

Triste de facha, o mesmo de figura,

Nariz alto no meio, e não pequeno;

 

Incapaz de assistir num só terreno,

Mais propenso ao furor do que à ternura;

Bebendo em níveas mãos, por taça escura,

De zelos infernais letal veneno;

 

Devoto incensador de mil deidades

(Digo, de moças mil) num só momento,

E somente no altar amando os frades,

 

Eis Bocage em quem luz algum talento;

Saíram dele mesmo estas verdades,

Num dia em que se achou mais pachorrento.[4]

 

Vocabulário:

assistir: no sentido de morar

pachorrento: cheio de pachorra, sem pressa, calmo.

 Podemos observar nesses versos como o poeta confessa sua vida boêmia, cheia de prazeres, seu espírito inquieto e certo repúdio à religião. Era considerado um homem bonito.

 

Neste outro exemplo, temos um poema lírico da primeira fase:

 

Ó tranças, de que Amor prisão me tece,

Ó mãos de neve, que regeis meu fado!

Ó Tesouro! ó mistério! ó par sagrado,

Onde o menino alígero adormece!

 

Ó ledos olhos, cuja luz parece

Tênue raio do sol! Ó gesto amado,

De rosas e açucenas semeado

Por quem morrera esta alma, se pudesse!

 

Ó lábios, cujo riso a paz me tira,

E por cujos dulcíssimos favores

Talvez o próprio Júpiter suspira!

 

Ó perfeições! Ó dons encantadores!

De quem sois?... Sois de Vênus? –

É mentira; Sóis de Marília, sois de meus amores.

 

Vocabulário:

alígero: que tem asas, é veloz

ledo: que revela ou sente felicidade, alegre

açucenas: flores

 

Neste soneto, podemos observar as seguintes características árcades:

 §     pastoralismo: a amada é uma pastora, cujo nome percebe-se pelo vocativo “Marília”;

§     referências à mitologia greco-latina: “Vênus”, “Júpiter” e cupido, por meio do epíteto “menino alígero;

§     busca do equilíbrio e da perfeição por meio do uso do soneto e da descrição da bela mulher: “Ó perfeições! Ó dons encantadores!”.

Vejamos agora, aluno, um exemplo do lirismo da segunda fase, ou da fase pré-romântica:

 

Meu ser evaporei na lida insana

Do tropel de paixões, que me arrastava;

Ah!, cego eu cria, ah!, mísero eu sonhava

Em mim quase imortal a essência humana.

 

De que inúmeros sóis a mente ufana

Existência falaz me não doirava!

Mas eis sucumbe a Natureza escrava

Ao mal que a vida em sua origem dana.

 

Prazeres, sócios meus e meus tiranos!

Esta alma, que sedenta em si não coube,

No abismo vos sumiu dos desenganos.

 

Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube,

Ganhe um momento o que perderam anos.

Saiba morrer o que viver não soube.

 

Vocabulário:

lida: labuta, trabalho, no sentido de vida

falaz: que ilude

  

Este soneto, ainda de concepções clássicas, revela a lírica pessimista que exemplifica a fase madura do poeta, cuja temática antecipa o ideário romântico do mal do século, marcado por religiosidade e temas tristes.

 Aqui, como em outros sonetos dessa fase de Bocage, o uso da razão e do universalismo dá lugar à emoção e a subjetividade, como podemos ver nas expressões “meu ser”, “em mim”.