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domingo, 3 de março de 2013

Vanguardas



  As Vanguardas Europeias


O início do século XX foi um período de grande efervescência cultural, cujos avanços tecnológicos – telefone, rádio, eletricidade, cinema – e científicos acirraram a luta pelos mercados financeiros e, consequentemente pelo domínio de territórios. Em meio a essa revolução cultural eclode a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918).
 O desenvolvimento técnico e científico não foi suficiente para aplacar as agitações sociais e políticas desencadeadas pela Primeira Guerra Mundial. A sociedade mostrava-se em crise, desencadeando oposições entre as classes: de um lado, a burguesia e o sucesso da economia industrial, de outro, o proletariado descontente com a situação de desemprego, fato intensificado pela quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929.
Todo esse conturbado período exigia modos de expressão que fossem capazes de representar o caos que se estabelecia.
As manifestações artísticas do início do século XX, evidenciavam a necessidade de atualização da arte, alinhando-se com os movimentos externos e com as novas tendências, para conseguir expressar o novo século. Essa necessidade de modernização também buscava romper com o simbolismo e as escolas anteriores e exerceu preciosa influencia no Modernismo brasileiro.
Leia, aluno, no balão, a etimologia das palavras relacionadas ao modernismo e as vanguardas.

A palavra Vanguarda vem do francês, avant-garde, e significa estar à frente. Politicamente ou artisticamente atribui-se esse nome às correntes, ou grupos, que apresentam propostas inovadoras.
O termo moderno designa tudo o que se opõe ao tradicionalismo clássico, valorizando o indivíduo, a subjetividade e a atitude crítica, defendendo assim a renovação do pensamento. 

Cubismo (1907)
O Cubismo representa uma revolução estética e técnica, pois rompe com os princípios da tradição clássica, buscando novas soluções para a arte como a decomposição, a fragmentação e a geometrização das imagens e formas, fazendo experiências com a perspectiva, negando, assim, a objetividade e a linearidade.
O movimento tem início na França, em1907, com Pablo Picasso e o quadro Les Mademoiselles d’Avignon, acima [1], embora o marco seja em 1913, com o manifesto assinado por Guillaume Apolinaire, poeta francês, que propunha a destruição das sintaxes desgastadas em busca das “palavras em liberdade”.
Os cubistas introduziram a colagem como componente do objeto artístico, construindo a obra a partir de diferentes materiais, como figuras, jornais, madeira, e buscando a visão simultânea, de ângulos diferentes, do mesmo objeto.
Dentre as experiências cubistas temos as experiências visuais do poeta Apollinaire, que explorou a disposição espacial e gráfica do poema – técnica que influenciaria, mais tarde, os poetas do Concretismo.
Vejamos um poema:

reconheça
essa adorável pessoa é você
sem o grande chapéu de palha
olho
nariz
boca
aqui o oval do seu rosto
seu     lindo  pescoço
um pouco mais abaixo
é seu coração
que bate
aqui enfim
a imperfeita imagem
de seu busto adorado
visto como
se através de uma nuvem


Futurismo (1909)


Velocidade na motocicleta (1912), Giacomo Balla[2]

A vanguarda futurista propunha a exaltação da vida urbana, da eletricidade, do automóvel, da velocidade, da máquina e a abolição ao passado. Defendia, portanto, um dinamismo que pudesse representar o ritmo do mundo moderno.
Idealizado por Filippo Tommaso Marinetti, com a publicação do Manifesto Futurista (1909), o Futurismo surgiu como uma forma de superar as novas tendências e correntes artísticas de então, adiantando-se a todas elas. Entretanto, a exaltação à guerra e seu menosprezo às mulheres aproximou ideologicamente o Futurismo do Fascismo italiano.
Leia agora um fragmento do manifesto supracitado e perceba sua irreverência e como suas ideias buscam chocar para romper com a literatura passadista.

Manifesto Futurista 1908[3] (publicado em 1909)


"Então, com o vulto coberto pela boa lama das fábricas - empaste de escórias metálicas, de suores inúteis, de fuliges celestes -, contundidos e enfaixados os braços, mas impávidos, ditamos nossas primeiras vontades a todos os homens vivos da terra:
1. Queremos cantar o amor do perigo, o hábito da energia e da temeridade.
2. A coragem, a audácia e a rebelião serão elementos essenciais da nossa poesia.
3. Até hoje a literatura tem exaltado a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, a velocidade, o salto mortal, a bofetada e o murro.
4. Afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida adornado de grossos tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Samotrácia.

5. Queremos celebrar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada a toda velocidade no circuito de sua própria órbita.
6. O poeta deve prodigalizar-se com ardor, fausto e munificência, a fim de aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.
7. Já não há beleza senão na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas para obrigá-las a prostrar-se ante o homem.
8. Estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveremos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Vivemos já o absoluto, pois criamos a eterna velocidade onipresente.
9. Queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas idéias pelas quais se morre e o desprezo da mulher.

10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo tipo, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.

11. [...]É da Itália que lançamos ao mundo este manifesto de violência arrebatadora e incendiária com o qual fundamos o nosso Futurismo, porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários.
Há muito tempo a Itália vem sendo um mercado de belchiores. Queremos libertá-la dos incontáveis museus que a cobrem de cemitérios inumeráveis.
Museus: cemitérios!... Idênticos, realmente, pela sinistra promiscuidade de tantos corpos que não se conhecem. Museus: dormitórios públicos onde se repousa sempre ao lado de seres odiados ou desconhecidos! Museus: absurdos dos matadouros dos pintores e escultores que se trucidam ferozmente a golpes de cores e linhas ao longo de suas paredes! [...]Quereis, pois, desperdiçar todas as vossas melhores forças nessa eterna e inútil admiração do passado, da qual saís fatalmente exaustos, diminuídos e espezinhados?[...]

Expressionismo (1910)


No começo do século XX, na França e na Alemanha, surge um grupo de pintores chamados expressionistas, na Alemanha, e fauvistas, na França. O objetivo dos integrantes desse grupo era combater o Impressionismo, tendência da qual eles provinham e que valorizava a impressão e sua abordagem do exterior para o interior.
O Expressionismo se preocupa com a manifestação exterior de uma necessidade interna, isto é, o mundo interior, o qual a obra de arte deve refletir, por isso seus temas centram-se na angústia e nos sofrimentos do homem da época, o que fez com que buscassem expressar os horrores da guerra e temas dramáticos e obsessivos.
Opta pela distorção das imagens e, muitas vezes, pela valorização do feio e do grotesco para retratar a desarmonia e a desesperança, presentes no mundo do pós guerra.
Observe as características apontadas a respeito do Expressionismo no quadro O grito, de Edvard Munch, em que ele tenta captar a angústia, a solidão e o desamparo do homem diante de um mundo que parece não demonstrar preocupação para com ele.

 O grito, Edvard Munch[4]


Dadaísmo (1916)


 O Urinol[5], de Marcel Duchamp.

O mais radical de todos os movimentos de vanguarda teve comportamentos provocativos com o intuito de chocar e escandalizar o mundo burguês. O Dadaísmo defendia uma arte que concretizava o instantâneo, enfatizava a destruição e a desconstrução, isto é, foi a primeira manifestação de "antiarte" deste século, valendo-se do ready-made, cuja intenção era tirar um objeto de seu uso comum para atribuir-lhe valor artístico, como é o caso d´O Urinol, de Marcel Duchamp, que se vê no balão.
O Dada surge em 1916, em Zurique, com a fundação do cabaré Voltaire e a criação do Manifesto Dadaísta, por Tristan Tzara e refletia a saturação cultural, a crise moral e política, que surgiu como consequência à Primeira Guerra Mundial, contra a qual muitos artistas reagiam com ironia, cinismo e niilismo anárquico.
Os dadaístas entendiam que, com a Europa destruída pela guerra, o cultivo da arte não passava de hipocrisia e presunção, por isso adotaram a postura de ridicularizá-la, agredi-la, destruí-la.
Na literatura, o dadaísmo caracteriza-se pela agressividade, pelo improviso, pela desordem, pela rejeição à racionalização e ao equilíbrio, pela livre associação de palavras e pela invenção de palavras com base na exploração apenas de sua sonoridade.

Surrealismo (1924)


Nas duas primeiras décadas do século XX, os estudos psicanalíticos de Freud e as incertezas políticas favoreceram o desenvolvimento de uma arte que criticava a cultura europeia e a frágil condição humana diante de um mundo cada vez mais complexo.
O Surrealismo, última das vanguardas europeias a manifestar-se, apoia-se nas teorias da psicanálise, acreditando que, pelo inconsciente, pode-se atingir a libertação total da imaginação. Teve início na França a partir da publicação do Manifesto do Surrealismo (1924), de André Breton.
Breton, tendo sido psicanalista, procura unir arte e psicanálise, explorando os limites do real, estudando a loucura, os sonhos, os estados alucinatórios e quaisquer outros exemplos de manifestação do inconsciente, por meio do automatismo psíquico e da mistura da imaginação com realidade, técnica que teve grande influência na primeira fase do Modernismo no Brasil, e que será observada sobretudo na obra Macunaíma, de Mário de Andrade.
Os surrealistas conquistaram imagens de impacto, que se imortalizaram nas telas de Salvador Dalí, Juan Miró, Giorgio de Chirico e René Magritte. Veja um pequeno exemplo na tela de Salvador Dalí, exposta no balão.

 Jovem virgem sodomizada por sua própria castidade[6], de Salvador Dalí

Veja, na tabela abaixo, um resumo das tendências vanguardistas e de suas características.

Vanguarda
Características
Cubismo
·         Geometrização das formas
·         Decomposição da perspectiva
·         Fragmentação do olhar e visão simultânea a partir de diferentes ângulos
·         Ruptura com a sintaxe tradicional
Futurismo
·         Rejeição ao passado
·         Exaltação à vida moderna
·         Arte dinâmica
Expressionismo
·         Manifestação do mundo interior, da angústia e dos sofrimentos humanos
·         Expressão dos horrores da guerra
·         Imagens distorcidas
Dadaísmo
·         Espontaneidade artística
·         Anarquia de valores e propostas estéticas
·         Ilogismo
·         Deboche e agressividade
Surrealismo
·         Valorização do sonho, do inconsciente e da fantasia, do ilógico e da loucura
·         Influencia da psicanálise
·         Automatismo da escrita e da arte
·         Expressão direta das zonas ocultas da consciência humana
  

domingo, 22 de abril de 2012

Características do Barroco


A Ambiguidade: o alicerce do Barroco


A estética literária do Barroco opõe-se diretamente ao racionalismo clássico. O rigor formal, usado para produzir clareza, soma-se à ambiguidade de figuras que culminam em tensão e conflito.
A linearidade renascentista é substituída pelo pictórico das antíteses, contradições e paradoxos, e a sintaxe simples é substituída pelo rebuscamento que se apoia no anacoluto e na inversão sintática.
O exagero reflete o desconforto de um homem dividido entre o céu e as coisas terrenas, evidenciando o conflito entre os valores da tradição, ligados à consciência medieval e defendidos pelos jesuítas, e os valores gerados pelo avanço do racionalismo.

O quadro "A dúvida de São Tomé", do pintor italiano Caravaggio, ilustra bem esse panorama do mundo Barroco, mostrando a religiosidade na figura de Cristo, de quem vem toda a luz da cena composta pelo jogo do Ciaro/Escuro, característico da pintura barroca, em oposição ao racionalismo presente na dúvida de São Tomé, que chega a tocar a ferida de Jesus para se certificar.

A dúvida de São Tomé, de Caravaggio.

Segundo Benjamim Abdala Júnior e Samira Youssef Campedelli, é possível perceber vários estilos dentro do Barroco. Alguns dizem respeito à forma, outros, ao conteúdo.
Observe a tabela abaixo, em que esses estilos estão expostos:

Estilos
Características
Maneirismo
É o elo entre o Renascimento e o Barroco e registra a incerteza das formas.
Culteranismo, cultismo ou gongorismo
Cultivou construções obscuras, repletas de preciosismo formal que se vê tanto na poesia quanto na prosa barroca.

Conceptismo
Ligado à prosa barroca e contrário ao culteranismo. Buscou o domínio das palavras, valendo-se do conhecimento conceitual e da concisão.
Barroquismo
Originou o rococó. Possui construções rebuscadas e  decorativas.

Características da produção literária


As raízes do Barroco se encontram no Renascimento. Como no Classicismo, os artistas também buscavam a perfeição formal, mas de maneira exagerada. A literatura barroca é marcada pelo rebuscamento da linguagem e pela sobrecarga de figuras de estilo como a metáfora, a alegoria, a hipérbole e a antítese.

Referências à cultura grega ainda aparecem, mas a ideia do pecado e do perdão torna-se uma obsessão. O tema carpe diem (aproveite a vida, o momento), por exemplo, tão explorado pelos gregos, volta à tona. Contudo, aproveitar a vida implica em prazer, que por sua vez implica em pecar. Quantas dúvidas sofria o artista barroco! Como cultuar a vida e o prazer sem pecar? Como manter os ideais renascentistas de valorização do ser humano sem ofender a Deus?

Como já dissemos, toda essa tensão e esse conflito acabam sendo expressos por meio da arte barroca, na qual muitos tentavam conciliar as tendências opostas. Segundo o professor Massaud Moisés:

“[...] era o empenho no sentido de conciliar o claro e o escuro, a matéria e o espírito, a luz e a sombra, visando anular pela unificação a dualidade do ser humano, dividido entre os apelos do corpo e os da alma.” (MOISÉS, 2006, p.73).

 Poesia barroca

 As tópicas clássicas, já vistas no Renascimento e advindas da retomada das características Greco-romanas são frequentes na literatura barroca, a saber:

§  fugacidade da vida e das coisas, tudo é efêmero;
§  carpe diem;
§  a morte, expressão máxima da efemeridade;
§  erotismo;

Por outro lado, a ambigüidade barroca faz aflorar outras temáticas na lírica, tais como:

§  castigo, como decorrência do pecado;
§  arrependimento e busca do perdão;
§  narração de cenas trágicas;
§  sobrenaturalidade;
§  misticismo.

A poesia barroca corresponde muito mais ao culto da forma do que do conteúdo, ou mesmo do sentimento lírico. Com pouca representatividade, os poetas portugueses sofrem grande influência espanhola. Podemos citar Francisco Rodrigues Lobo (1579-1621), um dos mais importantes discípulos de Camões. Influenciado por Gôngora, é considerado o iniciador do Barroco em Portugal.

Veja a seguir um soneto barroco de Francisco Rodrigues Lobo:

Observe:
trocadilho: “te vejo e vi, me vês agora e viste”;
antítese: triste/contente; contente/descontente; mal/bem.
Veja também as incertezas do eu lírico quanto ao seu futuro.

Fermoso Tejo meu, quão diferente
Te vejo e vi, me vês agora e viste:
Turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
Claro te vi eu já, tu a mim contente.

A ti foi-te trocando a grossa enchente
A quem teu largo campo não resiste;
A mim trocou-me a vista em que consiste
O meu viver contente ou descontente!

Já que somos no mal participantes,
Sejamo-lo no bem. Oh, quem me dera
Que fôramos em tudo semelhantes!

Mas lá virá a fresca Primavera:
Tu tornarás a ser quem eras dantes,
Eu não sei se serei quem dantes era.[1]

Surgem nesta época, em Portugal, as Academias, nas quais os poetas se reuniam para discutirem sobre a estética barroca. Outros autores que podemos citar são: D. Francisco Manuel de Melo, Frei Luís de Sousa, Sóror Mariana Alcoforado e o dramaturgo Antônio José da Silva.

Vale ressaltar que a escrita ainda era um privilégio da nobreza e do clero, uma vez que a burguesia iniciava-se nessa área. Ao povo, como havia de se esperar, era negado o acesso à escrita e aos bens culturais das elites.

Gregório de Matos


Os sonetos da tradição gregoriana encenam uma lógica de fundamentação teológica, também aplicada pelo Pe. Vieira: um todo metafísico que está em toda parte, simultaneamente, e uma parte desse todo que, por ser divina, é perfeita e indivisível, contendo, dessa forma, um todo em qualquer parte. Vejamos os sonetos:

Ao Braço do Mesmo Menino Jesus Quando Apareceo

O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.

Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.

Ao menino Jesus de N. Senhora das Maravilhas, a quem infiéis despedaçaram achando-se a parte do peyto.

Entre as partes do todo a melhor parte
Foi a parte, em que Deus pôs o amor todo
Se na parte do peito o quis pôr todo,
O peito foi foi do todo a melhor parte.

Parta-se pois de Deus o corpo em parte,
Que a parte, em que Deus ficou o amor todo
Por mais partes, que façam deste todo,
De todo fica intacta essa só parte.

O peito já foi parte entre as do todo,
Que tudo mais rasgaram parte a parte;
Hoje partem-se as partes deste todo:

Sem que do peito todo rasguem parte,
Que lá quis dar por partes o amor todo,
E agora o quis dar todo nesta parte.

O Beletrismo Seiscentista e Setecentista, isto é, o Barroco, é mais que uma expressão estética de um tempo; é a representação de uma forma de ver o mundo e é a forma como este mundo se vê. A poesia encena, em antítese, a culpa, mas reafirma o desejo. Como vemos no poema abaixo, atribuído a Gregório de Matos:

Ao Mesmo Assumpto e na Mesma Occasião

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido,
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.



[1] LOBO, Francisco Rodrigues In MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 163.

Barroco


A Deposição[1].


O Barroco foi um movimento cultural e artístico, marcado por uma visão pessimista da vida, conseqüência da crise econômica e social, vivida pela Europa, e das desilusões acerca dos ideais humanistas e renascentistas.
O período a que chamamos Barroco se deve ao momento em que a sociedade se vê diante das consequências da Reforma Protestante, iniciada em 1517 por Martinho Lutero e que dividiu a Igreja entre católicos e protestantes.
Estas ideias puseram em risco o poder da Igreja, ao que ela responde com o movimento de reação chamado de Contra Reforma, e que tinha intenção de impedir o avanço do protestantismo. O estilo barroco floresce quando a Igreja Católica busca a consolidação de seu poder.

Dentre os atos mais importantes da Igreja católica dessa época temos:
1. A instituição do Tribunal do Santo Ofício, ou Tribunal da Inquisição
2. A criação da Companhia de Jesus.

 Práticas da Inquisição[2]

Contradições, no âmbito religioso, que tiveram forte influência sobre a arte do período, produzindo o desencanto do homem com o próprio homem, assumindo assim uma postura anticlássica, que instaura um mundo ambíguo e dicotômico, dividido entre o catolicismo e o protestantismo, entre a fé e a ciência, que dá espaço à estética barroca.

Contexto social e histórico


Em 1578, o rei de Portugal, D. Sebastião, com apenas quatorze anos, desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir na África, não deixando herdeiros diretos. Seu tio, Cardeal D. Henrique, assumiu o poder por dois anos, mas, em 1580, o rei da Espanha Filipe II, herdeiro mais próximo da coroa portuguesa, anexou Portugal a seu país. Foi um dos períodos mais negros para a história de Portugal e culturalmente, um período de grande estagnação. O grande império perdeu seu líder e caiu sob o domínio espanhol até 1756, momento denominado de Restauração.

O desaparecimento de D. Sebastião incitou o imaginário popular, dando origem a um posicionamento místico denominado Sebastianismo, no qual muitos acreditavam no retorno de D. Sebastião, como um salvador, um messias.

Após a Reforma Protestante, a Contrarreforma da Igreja Católica acirra a perseguição aos “infiéis”, procurando recuperar sua posição de destaque perdida com o Renascimento. A Inquisição torna-se uma das instituições mais fortalecidas que, além de comandar a censura, condenava à morte os traidores da fé católica. A Companhia de Jesus toma frente no processo de catequização e reforça os ideais religiosos, principalmente nas colônias, como o Brasil.

Nessa época, há uma constante tensão entre o Antropocentrismo e o Teocentrismo. O homem se vê dividido entre as novas concepções renascentistas e os valores medievais abandonados. Assim, o Barroco surge como expressão desse conflito entre o humanismo renascentista e a tentativa de restauração de uma religiosidade intensa, vivida na Idade Média; duelo entre a razão e a fé, entre o material e o espiritual.

O Barroco no Brasil


Somente no Barroco é que podemos começar a falar de uma Literatura Brasileira, pois encontramos uma produção literária com preocupação estética, que despe-se dos valores da corte e reflete a realidade brasileira.
O Barroco foi o estilo artístico dominante na Europa durante o século XVII e primeira metade do século XVIII. Caracteriza-se pela abundância de ornamentos e pela ousada elaboração formal, que se vale do uso de recursos retóricos, tais como as alegorias e o uso de figuras de liguagem, como a antítese e o paradoxo, cujo objetivo é mostrar desconforto.
No Barroco, a forma poética é encantadora e erudita, mas é apenas um disfarce para o conteúdo que valoriza a tensão e o conflito, na maioria das vezes, abordado com ironia ou malícia; reflexos de uma época angustiada, em que se evidencia a crise do renascimento.
No Brasil a estética barroca teve influência direta da coroa portuguesa que, mantida sob o jugo espanhol até 1640 não acompanhou as descobertas científicas ocorridas entre os séculos XVII e XVIII no resto da Europa, por conseguinte permaneceu no obscurantismo medieval.
No Brasil, o Barroco coincide com o momento de grande exploração da colônia pelos portugueses. Dessa forma, a aristocracia colonial brasileira, ou aristocracia crioula já revela um sentimento de independência que transparece nos textos literários da época. Por isso diz-se que o Barroco no Brasil foi "crioulizado", isto é, misturou a tendência europeia com a visão local, nativista e negra.
As invasões estrangeiras do Rio de Janeiro ao Maranhão, nos séculos XVI e XVII, foram responsáveis pelo despertar de uma consciência colonial, que somada à decadência da cana-de-açúcar, posiciona-se contrariamente ao absolutismo monárquico.
No Brasil, o Barroco inicia em 1601, com o poema épico de Bento Teixeira chamado Prosopopéia, e atinge seu apogeu com o poeta Gregório de Matos e com o orador Pe. Antônio Vieira.


[1] Óleo sobre tela de Michelangelo Merisi da Caravaggio, 1604. Pinacoteca Vaticana, Roma. http://mv.vatican.va/3_EN/pages/x-Schede/PINs/PINs_Sala12_01_049.html