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segunda-feira, 26 de março de 2012

autores do classicismo português: Sá de Miranda e Camões

Sá de Miranda

Francisco Sá de Miranda nasceu em Coimbra, provavelmente em 1481 e faleceu em 1558. Segundo Massaud Moisés, seus poemas foram somente editados em 1595, com uma edição crítica em 1885. Como dissemos anteriormente, o poeta levou a medida nova a Portugal, mas não deixou de lado a medida velha, misturando a então atualidade renascentista às tradições medievais, como também fez Camões.

Em seus poemas, já podemos observar a dualidade do escritor clássico português, pelo uso de muitos paradoxos e antíteses. Temas filosóficos sobre a efemeridade do tempo também lhe eram comuns.

Vejamos, desse autor, uma redondilha maior (verso de 7 sílabas poéticas), caracterizando a medida velha:

Comigo me desavim,

sou posto em todo perigo;

não posso viver comigo

nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,

antes que esta assi crescesse;

agora já fugiria

de mim, se de mim pudesse.

Que meio espero ou que fim

do vão trabalho que sigo,

pois que trago a mim comigo,

tamanho imigo de mim?

Observe o paradoxo em “não posso viver comigo, nem posso fugir de mim” e como o eu lírico expõe um conflito pessoal ao admitir-se como seu inimigo próprio inimigo.

Observe também como a linguagem lírica é mais clara aqui, diferentemente do Trovadorismo, pois aqui a língua portuguesa já estava de todo separada do galego português.

Agora veja um soneto, isto é, a medida nova ou versos decassílabos:

O sol é grande: caem coa calma as aves,

Do tempo em tal sazão, que sói ser fria.

Esta água que de alto cai acordar-me-ia,

Do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas, todas vãs, todas mudáveis,

Qual é tal coração que em vós confia?

Passam os tempos, vai dia trás dia,

Incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,

Vi tantas águas, vi tanta verdura,

As aves todas cantavam de amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mistura,

Também mudando-me eu fiz doutras cores.

E tudo o mais renova: isto é sem cura!

Vocabulário: coa: com a; sazão: estação; sói: costuma, é comum; mudáveis: que mudam

Veja nos versos em destaque a preocupação com a efemeridade do tempo, temática comum aos poetas da antiguidade e aos renascentistas: tudo passa, tudo é vão, os dias passam e o eu lírico se mostra angustiado.

Luís Vaz de Camões

Segundo Massaud Moisés, as informações biográficas de Camões são incertas. Teria nascido em 1524 em Lisboa, Coimbra ou Santarém. Filho de família nobre, supostamente teve acesso à vida palaciana e contato com as obras de Homero, Petrarca, Virgílio, entre outros. Culto e de boa aparência, desfrutou de vários amores proibidos, inclusive a infanta D. Maria, filha do rei D. Manuel. Consta que sua vida amorosa tenha-o levado ao exílio em Ceuta, como soldado raso. Lá perdeu um olho. Passou por diversas aventuras em Macau (China), Moçambique (África) e Goa (Índia), colônias portuguesas. Era um homem das letras e das armas.

Em 1572, publicou Os Lusíadas e recebeu uma pensão anual de quinze mil réis, mas morreu pobre e abandonado em 1580.

Camões épico

Os Lusíadas, publicado em 1572, é um poema épico ou epopeia e segue os moldes clássicos do gênero, a saber: a Odisseia e a Ilíada, de Homero e a Eneida, de Virigílio.

Camões, como poeta renascentista, cultivava a arte como mimeses, como representação da realidade. Várias características renascentistas citadas anteriormente podem ser observadas em seus versos, como o racionalismo, universalismo, busca da perfeição formal, imitação dos clássicos, entre outras.

O que diferencia a obra de Camões das epopeias clássicas, há um grande herói, cujos feitos são exaltados, como os atos de Ulisses, por exemplo, na Odisseia. Na obra de Camões, no entanto, os heróis são os “lusíadas”, os lusos, o povo português.

O extenso poema Os Lusíadas representa o espírito do novo, trazido pela renascença, e é formado por 10 cantos, 1101 estrofes em oitava rima (ABABABCC) e 8816 versos decassílabos heróicos (com acentuação na sexta e décima sílaba poética) e sáficos (acentuação na quarta, oitava e décima sílaba poética). Cada canto tem um número variável de estrofes (em média, 110). O canto mais longo é o 10.º, com 156 estrofes.

Os Lusíadas, assim como todo poema épico, é dividido nas seguintes partes:

Proposição

Camões exalta o heroísmo do povo português.

Invocação

O poeta invoca as ninfas do rio Tejo, Tágides, como suas musas inspiradoras.

Dedicatória

Os Lusíadas é dedicado ao rei D. Sebastião.

Narração

A narração divide-se em dois planos, o mítico, que menciona deuses gregos participando como coadjuvantes do enredo e ohistórico, que trata da viagem de Vasco da Gama às Índias e de outros grandes feitos de Portugal.

Epílogo

A obra se encerra de forma lamentosa e crítica, pois o país que fora um grande império, já se encontrava em momentos de decadência.

Os planos temáticos da obra são quatro:

§ Plano da Viagem

§ Plano da História de Portugal

§ Plano do Poeta

§ Plano da Mitologia

Os Lusíadas são uma obra narrativa, mas os seus narradores são quase sempre oradoresque fazem discursos grandiloquentes: o narrador principal é Vasco da Gama, mas também aparecem como narradores Paulo da Gama, a ninfa Tétis e a Sirena no canto X, que profetiza ao som de música.

Dessa forma, o poema apresenta um ecletismo religioso, evidenciado pela coexistência da história com o maravilhoso, isto é, a mitologia greco-romana costura-se a um catolicismofervoroso. Protegidos pelos deuses, os portugueses procuram impor aos infiéis mouros sua fécristã, por outro lado é perceptível a existência de inúmeros deus ex machina. Os lusitanos sãoprotegidos por uma deusa pagã: Vênus. Baco (o Dioniso dos gregos), amigo do vinho e dodesregramento, é o inimigo maior dos portugueses (com chifres e rabo,imagem que foi utilizadapela igreja católica para representar o demônio), poderíamos dizer que o desregramento é o grande vilão no Renascimento, posto que se opõe ao equilíbrio.

Todo esse fervor religioso não impede a utilização pelo poeta do erotismo de cunho pagão,como no episódio da Ilha dos Amores (Canto IX, estrofes 68 a 95), em que a "Máquina doMundo" é apresentada aos portugueses.

Nessa passagem do final do poema o plano mítico – dos deuses – e o histórico – dos homens– encontram-se: os portugueses são elevados simbolicamente à condição de deuses, pois sóaos últimos é permitido contemplar a “Máquina do Mundo”.

Veja abaixo um trecho do Canto I, trecho bastante conhecido, que anuncia o Novo Reino, um império cristão, cheio de fé e de feitos heróicos, o que enaltece a nação portuguesa.

Canto I – Proposição

As armas e os barões assinalados,

Que da Ocidental praia Lusitana

Por mares nunca de antes navegados,

Passaram ainda além da Taprobana,

Em perigos e guerras esforçados,

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas

Daqueles reis que foram dilatando

A Fé, o Império, e as terras viciosas

De África e de Ásia andaram devastando;

E aqueles, que por obras valerosas

Se vão da lei da Morte libertando,

Cantando espalharei por toda parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano

As navegações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandro e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

A quem Netuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo o que a Musa antiga canta,

Que outro valor mais alto se alevanta.

Vocabulário:

barões: varões, homens

taprobana: antigo nome do Ceilão

Grego: refere-se a Ulisses, herói da Odisseia

Troiano: refere-se a Enéias, herói da Eneida

Alexandro: Alexandre Magno,rei da Macedônia

Trajano: imperador romano

Veja, abaixo, como o Canto I termina com uma fala do poeta que reflete a fragilidade do ser humano. É um momento de lirismo, dentro do poema épico.

No mar tanta tormenta, e tanto dano,

Tantas vezes a morte apercebida!

Na terra tanta guerra, tanto engano,

Tanta necessidade aborrecida!

Onde pode acolher-se um fraco humano,

Onde terá segura a curta vida,

Que não se arme e se indigne o céu sereno

Contra um bicho da terra tão pequeno?

Outro episódio famoso é o de Inês de Castro, grande amor de Pedro I (Portugal) que foi morta grávida pelo próprio pai de Pedro, D. Afonso e coroada rainha depois de morta.

Há nesse episódio uma exceção quanto ao gênero, que é lírico, voltado para as emoções do sujeito poético, diferindo do gênero épico que caracteriza o restante do poema. Vejamos um trecho.

Canto III - Inês de Castro

Passada esta tão prospera vitória,

Tornado Afonso à Lusitana terra,

A se lograr da paz com tanta glória

Quanta soube ganhar na dura guerra,

O caso triste, e digno da memória

Que do sepulcro os homens desenterra,

Aconteceu da mísera e mesquinha

Que depois de ser morta foi Rainha.[...]

Estavas, linda lnês, posta em sossego,

De teus anos colhendo doce fruto,

Naquele engano da alma, ledo e cego,

Que a Fortuna não deixa durar muito;

Nos saudosos campos do Mondego,

De teus fermosos olhos nunca enxutos,

Aos montes ensinando e às ervinhas,

O nome que no peito escrito tinhas.[...]

Tirar Inês ao mundo determina,

Por lhe tirar o filho que tem preso;

Crendo co sangue só da morte indigna,

Matar do firme amor o fogo aceso.

Que furor consentiu que a espada fina,

Que pôde sustentar o grande peso

Do furor Mauro, fosse alevantada

Contra üa fraca dama delicada?

O episódio abaixo, do Velho do Restelo, é bastante significativo, pois critica a validade das grandes navegações, que trouxeram a glória, mas também a morte. Tal episódio é revisto na obra Mensagem de Fernando Pessoa, que eternizou os versos “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

Canto IV - Velho do Restelo

Mas um velho, de aspecto venerando,

Que ficava nas praias, entre a gente,

Postos em nós os olhos, meneando

Três vezes a cabeça, descontente;

A voz pesada um pouco alevantando,

Que nós no mar ouvimos claramente,

Cum saber só d'experiências feito,

Tais palavras tirou do experto peito:

Ó glória de mandar! Ó vã cobiça

Desta vaidade, a quem chamamos Fama!

Ó fraudulento gosto, que se atiça

Cüa aura popular, que honra se chama!

Que castigo tamanho, e que justiça

Fazes no peito vão que muito te ama!

Que mortes, que perigos, que tormentas,

Que crueldades neles experimentas!

Camões lírico

Camões emprega todo seu “engenho e arte” para compor belíssimos poemas líricos que abarcam desde a tradição medieval até as novas técnicas renascentistas. O poeta foi um dos maiores sonetistas da língua portuguesa. Vemos em seus versos uma evolução estética, um aprimoramento da literatura e da própria língua portuguesa. Até hoje, a lírica camoniana é uma fonte de inspiração para diferentes gerações.

Há uma variedade de temas abordados pelo poeta em seus poemas, que de tão universais, são atuais e eternos. O poeta reflete sobre o amor e as questões filosóficas que ainda hoje nos angustiam, tais como:

  1. o amor platônico;
  2. a perda da amada;
  3. o desconcerto do mundo;
  4. a própria atividade poética, com o uso da metalinguagem;
  5. a instabilidade dos sentimentos e da realidade;
  6. a busca pela perfeição física e moral.

Quanto às formas utilizadas por Camões em sua lírica, encontramos diversos tipos de poema, como sonetos, sextilhas, oitavas, éclogas, elegias e odes.

Didaticamente, dividimos poesia lírica em dois conjuntos: medida velha, composta geralmente por versos redondilhos (cinco ou sete sílabas poéticas), resgatando estruturas e temas medievais; e a medida nova, composta pelos sonetos, feitos em versos decassílabos (10 sílabas poéticas) de inspiração clássica.

Medida velha

Como exemplo, citaremos um vilancete em versos redondilhos, no qual temos inicialmente um mote - conjunto de versos que introduzem o tema - e duas voltas ou glosas - estrofes nas quais o tema é desenvolvido. No poema abaixo, o assunto é a beleza e a perfeição formal de uma camponesa, Lianor, que evidencia traços de discreta sensualidade quando diz que a touca descobre sua garganta. Naquela época, antever alguma parte do corpo feminino, como os pés ou o pescoço era de grande comoção para os homens.

Observe a sonoridade dos versos e a singeleza da descrição.

Descalça vai pera fonte

(mote)

Descalça vai pera fonte

Lianor, pela verdura;

Vai fermosa e não segura.

(volta)

Leva na cabeça o pote,

O testo nas mãos de prata,

cinta de fina escarlata,

Sainho de chamalote;

Traz a vasquinha de cote,

Mais branca que a neve pura;

Vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,

Cabelos d’ouro o trançado,

Fita de cor d’encarnado...

Tão linda que o mundo espanta!

Chove nela graça tanta

Que dá graça à fermosura;

vai fermosa, e não segura.

Vocabulário:

testo: tampa de panela

pera: pela

fermosa: formosa

sainho de chamalote: espécie de casaco

vasquina de cote: saia de pregas

Veja a escansão do verso em redondilha maior, com 7 sílabas poéticas:

Le/va/na/ca/Be/ça o/PO/te

1 2 3 4 5 6 7

A última sílaba átona não é contada.

Medida nova

A medida nova, já explorada pelo humanista Petrarca e levada por Sá de Miranda da Itália para Portugal, constitui-se como uma inovação quanto ao estilo, com o uso do soneto em versos decassílabos. Essa foi uma grande novidade para a poética portuguesa e revista por diversas gerações, graças ao talentoso Camões. O soneto apresenta 14 versos, sendo divididos em duas estrofes de quatro versos e duas estrofes de três versos.

No soneto a seguir podemos observar várias características clássicas. Como no poema sobre Lianor, também teremos a descrição de uma mulher, com o retrato de sua perfeição moral e física. Observe a racionalidade na composição dos versos, simétricos e ordenados, em que a última estrofe assume a função de conclusão. Há a busca do equilibrio formal, com o uso de versos decassílabos, vocabulário culto e esquema de rimas fixo: interpoladas ABBA, ABBA e cruzadas CDE,CDE.

O resgate da cultura greco-latina pode ser observado pela referência a Circe, feiticeira que aparece na Odisseia.

O poeta descreve uma mulher que, apesar de sua aparência meiga e discreta, o enfentiça. Há uma certa ambiguidade entre sua pureza e sua sensualidade.

Veja a escansão de um verso decassílabo sáfico:

Um/ mo/ver/ D'O/lhos/, bran/do e /PI/e/DO/so,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Um mover d'olhos, brando e piedoso,

sem ver de quê; um riso brando e honesto,

quase forçado; um doce e humilde gesto,

de qualquer alegria duvidoso;

um despejo quieto e vergonhoso;

um repouso gravíssimo e modesto;

uma pura bondade, manifesto

indício da alma, limpo e gracioso;

um encolhido ousar; uma brandura;

um medo sem ter culpa; um ar sereno;

um longo e obediente sofrimento;

esta foi a celeste formosura

da minha Circe, e o mágico veneno

que pôde transformar meu pensamento.

Vocabulário:

honesto: ingênuo

despejo: atitude

vergonhoso: tímido


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