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quinta-feira, 4 de abril de 2013

Graciliano Ramos, olhares sobre o sertão nordestino


Graciliano Ramos (1892-1953)



Considerado, por boa parte dos críticos, como um dos melhores romancistas do nosso Modernismo, apresentando soluções estéticas diferentes para o gênero da prosa. Sua principal característica é expor ao limite as tensões que o ambiente e/ou a sociedade impõem ao homem, ora brutalizando-o, ora explorando-o, mas deixando evidente que o conflito gerado por essas tensões é intenso a ponto de transformar o homem, moldar personalidades. Por isso a morte é uma constante em suas obras como final trágico e irreversível.
      Segundo Antonio Candido no romance Vidas secas (1938), encontramos um exemplo de condições de existência que moldam os modos de ser de cada indivíduo, dificultando a compreensão da realidade. Nota-se, nesse romance, a necessidade do autor de depor e denunciar a realidade.
O regionalismo é atípico, pois apesar de nos apresentar um cenário regional, parece mostrar mais do que a luta pela sobrevivência. Por isso o autor vale-se de personagens oprimidos e moldados pelo meio, isto é, o “herói problemático”, que se mostra em conflito com o meio e consigo mesmo, em luta constante para adaptar-se e sobreviver, insatisfeitos e irrealizados.

Esse aspecto é notado logo no início de Vidas secas, quando o autor refere-se aos personagens como viventes, e ao longo da narrativa, quando os viventes passam a ser denominados apenas por uma palavra que se repete em toda a sua obra: bicho.

Vidas Secas – Graciliano Ramos

"Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos - e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera.
Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado.
- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar . E, pensando bem, ele não era um homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
- Você é um bicho, Fabiano.
Isso para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades.

Vale a pena repetir aqui a observação feita por Abdala, em Tempos da Literatura Brasileira, com que faz notar a “relação dialética entre o estilo direto[1], como: “ – Fabiano, você é um homem”, o indireto, como: “Conteve-se, notou que os meninos estavam perto”, e o indireto livre, como: “Com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só”. No indireto livre, o narrador de Vidas Secas interiorizou-se na personagem Fabiano”[2] deixando evidente como o autor faz fundir as duas vozes.
Assim, a cena cruel da família de retirantes, vagando exaustos pelo sol, silenciosos e tristes, é acompanhada não pela solidariedade do autor, mas também por nós, leitores.
Valendo-se de uma linguagem sintética e concisa, dotada de lentidão, a narrativa esboça a dificuldade de se seguir por esse espaço inóspito, em que a seca ao redor do homem representa a secura de sua própria vida, humilhada e sem perspectivas.
O romance que surge na década de 30 não crê na possibilidade de uma transformação positiva do país através da modernização. Em São Bernardo, de Graciliano Ramos, encontramos uma expressão detalhada dessa descrença. Paulo Honório, de São Bernardo, que foi guia de cego e trabalhador de enxada, e que consegue, com violência e determinação, conquistar não a fazenda de São Bernardo como respeito, dinheiro e prestígio, virando um coronel, dá mostras, no final do romance, dessa visão pessimista do autor em relação à realidade:

Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei...”.

“A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”
Graciliano Ramos tinha obsessão pelo texto enxuto e limpo. Veja o dizia o escritor sobre isso no site oficial do escritor <http://www.graciliano.com.br>.



[1] Grifos nossos.
[2] ABDALA Jr., Benjamin e Campedelli, Samira Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. Série fundamentos. Ed. Ática, 2004, pg. 268.

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