Graciliano Ramos
(1892-1953)
Considerado, por boa parte dos críticos ,
como um
dos melhores romancistas
do nosso Modernismo,
apresentando soluções estéticas diferentes para o gênero da prosa .
Sua principal
característica é expor ao limite as tensões que o ambiente
e/ou a sociedade
impõem ao homem , ora brutalizando-o,
ora explorando-o,
mas deixando evidente que o conflito gerado por
essas tensões é intenso
a ponto de transformar
o homem , moldar
personalidades . Por isso a morte é uma constante em suas obras como final trágico e irreversível.
O regionalismo
é atípico, pois apesar de nos apresentar um cenário regional , parece mostrar mais
do que a luta
pela sobrevivência .
Por isso o autor vale-se de personagens oprimidos
e moldados pelo meio, isto é, o “herói problemático ”,
que se mostra em conflito
com o meio
e consigo mesmo, em
luta constante
para adaptar-se e sobreviver ,
insatisfeitos e irrealizados.
Vidas
Secas – Graciliano Ramos
"Fabiano
ia satisfeito . Sim
senhor , arrumara-se. Chegara naquele estado , com a família morrendo de fome ,
comendo raízes. Caíra no fim do pátio , debaixo
de um juazeiro ,
depois tomara
conta da casa
deserta . Ele ,
a mulher e os filhos
tinham-se habituado à camarinha escura , pareciam ratos
- e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera.
Pisou
com firmeza
no chão gretado, puxou a faca
de ponta , esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aió um
pedaço de fumo ,
picou-o, fez um cigarro
com palha
de milho , acendeu-o ao binga , pôs-se a fumar
regalado.
-
Fabiano, você é um
homem , exclamou em
voz alta .
Conteve-se,
notou que os meninos
estavam perto , com
certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só . E,
pensando bem , ele
não era
um homem :
era apenas
um cabra
ocupado em
guardar coisas
dos outros . Vermelho ,
queimado, tinha olhos
azuis, a barba e os cabelos
ruivos ; mas
como vivia em
terra alheia ,
cuidava de animais alheios ,
descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra .
Olhou
em torno ,
com receio de
que , fora
os meninos , alguém
tivesse percebido a frase imprudente . Corrigiu-a, murmurando:
-
Você é um bicho , Fabiano.
Vale a pena repetir aqui a observação feita por Abdala, em Tempos da Literatura Brasileira, com que
faz notar a “relação dialética entre o
estilo direto[1],
como: “ – Fabiano, você é um homem”, o indireto,
como: “Conteve-se, notou que os meninos estavam perto”, e o indireto livre, como: “Com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só”. No
indireto livre, o narrador de Vidas
Secas interiorizou-se na personagem
Fabiano”[2] –
deixando evidente como o autor faz fundir as duas vozes.
Valendo-se de uma linguagem sintética e concisa, dotada de
lentidão, a narrativa esboça a dificuldade
de se seguir por
esse espaço inóspito, em que a seca ao redor do homem
representa a secura de sua
própria vida ,
humilhada e sem perspectivas.
O romance
que surge na década de 30 não crê na possibilidade de uma transformação
positiva do país através da modernização. Em São Bernardo, de Graciliano Ramos, encontramos uma expressão
detalhada dessa descrença. Paulo Honório, de São Bernardo, que foi guia de cego e trabalhador de enxada ,
e que consegue, com
violência e determinação ,
conquistar não
só a fazenda
de São Bernardo como
respeito , dinheiro
e prestígio , virando um coronel , dá
mostras, no final do romance, dessa visão pessimista do autor em relação à
realidade:
“Cinquenta anos perdidos, cinquenta
anos gastos
sem objetivo ,
a maltratar-me e a maltratar os outros .
O resultado é que
endureci, calejei...”.
“A palavra não foi feita para enfeitar,
brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”
Graciliano Ramos tinha obsessão
pelo texto enxuto e limpo. Veja o dizia o escritor sobre isso no site oficial
do escritor <http://www.graciliano.com.br>.
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